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Pesquisas no Paraná sobre anti-semitismo

A professora Maria Luíza Tucci Caneiro, autora do polêmico "O Anti-semitismo na Era de Vargas" (Editora Brasiliense, 1988, edição de 5 mil exemplares praticamente esgotada) aproveitou sua vinda a Curitiba para estender as pesquisas que vem realizando para, até o primeiro trimestre de 1990, lançar novo livro sobre o mesmo tema. E bastaria a agradável entrevista que teve com o Sr. Bernardino Schulman, 87 anos, "para ter compensado vir a Curitiba". Durante toda uma tarde de sábado, a professora Maria Luíza ouviu o afável Bernardino, uma das memórias da comunidade israelita do Paraná, ex-presidente do Centro Israelita e graças a quem a história dos israelitas em Curitiba não se perdeu. Uma de suas primas-netas, a professora Regina Rotemberg Gouvêa, encontrou nele umas das principais fontes para a sua tese de mestrado no Departamento de História da Universidade Federal do Paraná. Dezenas de outros pesquisadores, além de jornalistas, sempre recorrem ao Sr. Schulmann, sempre bem humorado, a dirimir dúvidas e esclarecer aspectos da vida dos judeus no Paraná. xxx Em "O Anti-semitismo na Era de Vargas", elaborada inicialmente como sua tese de doutoramento na USP, a professora Maria Luiza levantou a mais polêmica das questões: Oswaldo Aranha (Alegrete, RS, 1894 - Rio de Janeiro, 1960), político brasileiro da maior influência na longa era getulista (do qual foi ministro das Relações Exteriores) apesar de ser a imagem de simpatia a causa judaica, pois presidia a Assembléia Geral da ONU, entre abril e maio de 1947, quando foi decidida a criação do Estado de Israel, na verdade teve posições anti-semitas - assim como vários outros setores no governo de Vargas. A professora Maria Luiza pesquisava nos arquivos do Itamarati dados para uma tese que teria outra temática quando, surpresa, começou a encontrar documentos comprobatórios do anti-semitismo de Aranha, apoiado pelo próprio governo Vargas. Sentindo a importância deste material trabalhou sigilosamente numa tese que após ser aprovada na USP, ganhou as páginas de um livro lançado pela Brasiliense - com a maior cobertura da imprensa nacional. xxx Apesar dos protestos da família Aranha - e tentativas de um de seus filhos em contestar a tese - as provas reunidas pela professora eram robustas e assim, até agora, não houve reparos a fazer. "Ao contrário, comecei a receber telefonemas, cartas e mesmo visitas de pessoas que me trouxeram novos fatos em relação a perseguições sofridas no Brasil durante o governo Vargas" nos disse a professora Maria Luiza Carneiro. Buscando, assim, ampliar suas fontes, incluiu uma entrevista com o Sr. Bernardino Schulmann, cujo pai, Bernardo Schulmann - que veio da Rússia, em fins do século passado, em 1937, dois [...] antes do início da II Guerra Mundial, sentindo os perigos do nazismo, publicou em Curitiba "Em legítima defesa - A voz de um judeu brasileiro", com apresentação do professor Dario Velloso e prefácio do médico Pamphilo D'Assumpção. Três outras edições já foram feitas desta obra (a última há dois anos), patrocinadas por Bernardino, de forma que uma delas chegou às mãos da pesquisadora paulista, que a citou em sua tese-livro. Agora, numa longa entrevista gravada com Bernardo - e fotografada por Boris Kossoy, que a acompanhou a Curitiba - ela completou as informações necessárias, além de ter novos dados. Posteriormente, Maria Luiza e Boris foram a cidades do Norte do Paraná, em visita a famílias descendentes de alemães que também haviam oferecido depoimentos para enriquecer a sua pesquisa - e que serão válidas para o seu livro, já em fase de elaboração e que o editor Caio Graco Prado deseja lançar até março de 1990. xxx Maria Luiza Tucci Carneiro veio a Curitiba a convite da Secretaria da Cultura para encerrar, no dia 24 de setembro, uma série de palestras promovidas a propósito do centenário da Proclamação da República. Mesmo com a edição de "O Anti-semitismo na Era de Vargas" praticamente esgotado, alguns exemplares foram reunidos para um manhã de autógrafos na Livraria Dario Velloso, após a sua conferência. Em 1981, Maria Luiza já havia defendido uma dissertação de mestrado sobre o tema "Os cristãos novos e a questão de pureza de sangue em Portugal e Brasil Colônia - século XVI ao XIX" (editado pela Brasiliense, há 5 anos, com o título de "Preconceito racial em Portugal e Brasil"). Em sua carreira universitária, especialmente nos anos 80, a professora sempre se preocupou com questões ligadas ao racismo, poder e violência, publicando artigos e ensaios em revistas nacionais e internacionais. xxx A propósito de temas ligados a racismo e inquisição, acaba de sair um novo estudo de profundidade: "Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil", de Ronaldo Vainfas (393 páginas, NCz$ 80,00, Editora Campus). Em "trópicos dos Pecados", Vainfas, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e mestre de História do Brasil pela Universidade Federal Fluminense, dá um novo enfoque a questões ligadas a Inquisição, mergulhando no Brasil do século XVI ao XVIII, num mundo repleto de conflitos e desejos, amores e preconceitos. Presença constante nas terras do Brasil entre os séculos XVI e XVIII o Santo Tribunal, através de seus múltiplos agentes, procurou controlar o quotidiano da colônia, impondo aos seus habitantes as normas da vida cristã, implementadas pela Reforma Católica, sobretudo após o Concílio de Trento. Tal esforço de aculturação traduzir-se-ia, inclusive, pela vigilância sobre as práticas sexuais, na tentativa de promover moralidades genuinamente cristãs, baseadas na condenação do prazer e na difusão de regras de abstinência. A progressiva demarcação do estreito campo da sexualidade lícita iria, assim, empurrar para as margens uma variedade de costumes, hábitos, opiniões e mesmo indivíduos. É dentro desta faixa - até hoje pouco conhecida - que Ronaldo Vainfas busca na procura de moralidades coloniais, resgatando tristes histórias de homens e mulheres acusados como bígamos, sodomistas e defensores de fornicação; enfim, pecadores, desviantes aos hereges, viveram seu calvário particular nas malhas da Inquisição.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
06/10/1989

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