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Premiação a Severo faz revalorização de Kozák

Tímido por natureza, Fernando Severo, 30 anos, está vencendo duas inibições: de falar em público e modesto que é, contar mais sobre o seu trabalho, reconhecido por um imparcial júri no recém-encerrado XVI Festival do Cinema Brasileiro de Gramado: o seu curta "O mundo perdido de Kózak" ganhou o Kikito de melhor roteiro - e, na opinião de muitos poderia merecer também uma segunda premiação: melhor montagem. Por mais de um ano, num paciente e dedicado trabalho, Severo e uma pequena equipe trabalharam com mais de 70 horas de filmes rodados nos mais diversos pontos do País por Vladimir Kózak (Bystric pod Hostynem, Checoslováquia, 19/4/1897 - Curitiba, 3/1/1979) durante mais de 30 anos. Após a projeção de seus filmes de 15 minutos, 16mm, na tarde de quarta-feira, no auditório do Centro de Convenções Serrano - antecedendo a um dos mais emotivos médias metragens concorrentes ("PSW - Crônica Subversiva", de Paulo Stuart Wright, seqüestrado e morto pela ditadura em setembro de 1973) - Severo já passou a ser cumprimentado por jornalistas, realizadores e simples interessados, surpreendidos pela revelação que o seu filme fazia. Assim como "PSW" trazia a memória as lutas e trágica morte de um parlamentar de Joaçaba, Paulo Stuart Wright (1923-1973), morto nas masmorras do DOI-COI, em São Paulo, Severo, com um curta realizado com profundo amor, também lembrava uma pessoa idealista, que passou a maior parte de sua vida enfrentando a intolerância e incompreensão dos donos do poder - no caso a nossa (sempre asteriosclerosada) Universidade Federal do Paraná, da qual, embora contratado, nunca teve o reconhecimento merecido. Mesmo assim, com seus esforços pessoais, deixou uma documentação de maior validade, parte rodada em p&b, outra em cores, quase sempre em filmes Kodak, que, pela sua qualidade, sobreviveram as piores condições de conservação e possibilitaram que do material, há 18 anos tendo como depositário jacente o antropólogo Oldemar Blasi, ex-diretor do Museu Paranaense - e um dos poucos paranaenses que sempre procurou entender Kozák em sua revolta, irritação e desânimo em relação a incompreensão para com sua obra - vem sendo preservada. Tendo até agora uma única exibição em Curitiba, que coincidiu com o dia do Índio e a data do 90o. aniversário de Kozák, 19 de abril último (cine Luz), por certo agora muitas instituições vão se interessar em exibi-lo (para esta quinta-feira, 30, está prevista sua apresentação e uma entrevista de Severo no programa "QI", TV -Independência 22h30). Único dos curtas inscritos por realizadores do Paraná aceito pela comissão de seleção, da edição-88 de Gramado ("Bruxas", do Mauro Faccioni Filho, de Apucarana, representa mais o nascente cinema de Florianópolis, onde reside, apesar de suas ligações com a "Turma do Balão Mágico"), "O mundo perdido de Kozák" teve grande empatia com o público e, o reconhecimento dos méritos de seu roteiro - concorrendo com 11 outros curtas, na mesma categoria (alguns de excelente nível) confirmam que a seriedade, competência e dedicação com que Severo vem se dedicando ao cinema desde 1975 podem produzir bons resultados. xxx Catarinense de Caçador, tendo vivido entre os 3 aos 12 anos em Clevelândia ("foi quando despertei minha paixão pelo cinema, vendo todos os filmes que ali chegavam"), Severo chegou a Curitiba com 17 anos para estudar. Entrou no curso de Comunicação Social e o amor pelo cinema levou a freqüentar a Cinemateca do Museu Guido Viaro, na época com a segura administração de Valencio Xavier, preocupado em desenvolver cursos técnicos. E justamente foi com um assistente de montagem dos filmes de Wim Winders (na época desconhecido no Brasil hoje famoso após "Paris Texas"), Peter Przygotta, trazido pelo sempre generoso Goethe Institut, que Severo fez o seu primeiro curso, "base para desenvolver um trabalho de superoitista que, na segunda metade dos anos 70 estava em alta", relembra. "Hu", que define como "uma fantasia experimental", foi um de seus primeiros super-8 destaque, ao ser apresentado na mostra "Abertura 8", promovido pela Fundação Teatro Guaíra, em 1980. No mesmo ano, outro de seu filmes, "Escura Maravilha", ganhava o prêmio de montagem no então respeitado festival do GRIFE, em São Paulo e, concorrendo no 4o. Festival de Cinema Super-8, em Gramado, também ganhava o Kikito de melhor ficção. Só que Severo não esteve presente para receber o troféu: é que devido a razões econômicas, aquele evento - organizado pela Associação Gaúcha de Cineastas, nunca pôde bancar a participação dos realizadores dos filmes em competição. Com dois amigos - Rui Vezzaro e Peter Lorenzo, Severo realizaria ainda em super-8 há 8 anos um interessante documentário sobre uma comunidade mística no município de Colorado, Noroeste do Paraná, criado pelo "profeta" José de Freitas Miranda - "A iluminada espera do Apocalipse", que concorrendo num festival de super 8 organizado por José Augusto Iwersen (hoje em São Paulo, editor da revista "Cine Vídeo", mas na época o mais atuante animador de atividades superoitistas) ganhou os principais prêmios e, entusiasmado a direção da então Escola Técnica Federal do Paraná (hoje CEFET) patrocinadora do evento, valeu a Rui eFernando convite para trabalharem em seu setor de recursos audiovisuais. Em super-8, a dupla realizou meia centena de filmes didáticos para os vários cursos e hoje, Fernando preferiu a facilidade do vídeo, embora em forma VHS. Rui, deixou a CEFET há um ano e vem dividindo-se entre Curitiba e Rio, em vários projetos. Fernando fez mais 2 super-8 "Visões secretas" e "Jardim suspensos") , realizou um vídeo de 10 minutos ("Vídeo Brasil", 1983) e, com Rui, desenvolveu o roteiro do projeto mais ambiciosos - um longa sobre a guerra do Contestado. Mas sobre este assunto - que já lhe custou muitos aborrecimentos - melhor deixar para outra oportunidade. De momento, curte, com razão, o fato das imagens de Kozák deixou de um Brasil desconhecido, que filmou a partir dos anos 30, no Rio, Espírito Santo, Bahia, Minas e especialmente Paraná, dos quais, em 200 imagens, resultou o belíssimo curta-metragem-premiado, com toda justiça, em seu roteiro enxuto e preciso, na noite de sábado, em Gramado - e agora chegando a um grande público que, até três meses, jamais havia ouvido falar em Kozák. A não ser o Koják calvo e brigão (Telly Savallas) dos enlatados da TV americana. LEGENDA FOTO: Vladimir Kozák
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
30/06/1988

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