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Aramis

Totó, a criança que amava as imagens dos sonhos iluminados

O cinema é infinito - não se mede Não tem passado nem futuro Cada/Imagem só existe interligada à que a antecedeu e a que a sucede (Vinícius de Moraes, 1913-1980; "Livro de Sonetos"). xxx É lamentável que a Warner e a 20th Century Fox não tivessem programado junto a Vitória Cinematográfica a exibição simultânea de "Splendor" e "Cinema Paradiso". Afinal, no Festival de Cannes, no ano passado, estas duas obras-primas estiveram simultaneamente em competição e embora "Nuovo Cinema Paradiso" tenha saído com uma premiação especial, é difícil - muito difícil - dizer qual seja o melhor. Melhor é um conceito perigoso de se aplicar quando por absoluta coincidência dois cineastas fazem hinos nostálgicos de amor a usina dos sonhos partindo de uma mesma constatação: Os anos de pioneirismo, glória e trágica decadência. Se Ettore Scola, 57 anos, 38 de cinema, tem a experiência de mais de 30 longa-metragens dirigidos a partir de 1964 ("Fala-se de Mulheres/Se Permatere Parliando di Donne"), Giuseppe Tornatore, 34 anos, tem apenas 16 de cinema e este "Cinema Paradiso" é o seu segundo longa (o primeiro, "Il Camorrista/O professor do Crime", representou a Itália no III FestRio-86 e, lançado posteriormente, no circuito e vídeo, passou despercebido), o fato é um só: ambos realizaram obras magníficas. Filmes que só alguém que ama muito o cinema - e sofre com as últimas sessões das salas de exibição, em todo o mundo, poderia colocar com tanta sensibilidade e sentimento, atingindo profundamente o público. Pode-se dizer que "Splendor" (ainda inédito em Curitiba, mas já lançado no Rio e São Paulo) há uma reflexão mais ampla-histórica sobre o cinema, visto inclusive de uma forma didática desde os dias dos caixeiros viajantes das imagens coloridas, percorrendo as pequenas cidades, até os vários ciclos que o marcaram. "Nuevo Cine Paradiso" é mais dilacerante e emotivo, em sua concisão e narrativa - motivos que talvez tenham feito merecer maior simpatia da crítica e inclusive ganhar o prêmio em Cannes e agora ser o favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro 90. Independente do conhecimento dos outros quatro filmes estrangeiros que disputam no próximo dia 26, em Los Angeles, o troféu máximo da indústria cinematográfica - "Camile Claudel" (França), "Jesus de Montreal" (Canadá), "Lo que le Paso a Santiago" (Porto Rico) e "Waltzing Regtize" (Dinamarca), o fato é que o filme de Giuseppe Tornatore é o que reúne maiores chances. Afinal, sendo o Oscar uma festa do cinema, nada mais justo do que premiar um filme que justamente glorifica esta arte-indústria que, mais do que nenhuma outra foram de comunicação-entretenimento, fez a cabeça de tantas gerações ao longo deste século, nos mais diferentes pontos do planeta. Tanto Scola em "Splendor" como Tornatore em "Cinema Paradiso" partiram da simplicidade e despojamento felliniano para a construção de suas estórias. Tanto "Cine Splendor" como o "Cine Paradiso" localizam-se em aldeias, com seus tipos característicos, que gravitam em torno do cinema como núcleo-centro de lazer/entretenimento. Ambos são narrados em flash-backs, sendo que Tornatore, ao construir o seu personagem-reminiscência, condutor de toda a história, parece já homenagear a John Ford (1895-1973), não só citado explicitamente, com as imagens de "No Tempo das Diligências" (Stagecoach, 1939), mas implicitamente por "O Homem Que Matou o Facínora". O quarentão Salvatore Di Vitto, um realizado cineasta que há 30 anos não volta a sua aldeia natal, Giancarlo, na Sicília, o faz quando sua velha mãe o avisa da morte de Alfred, o operador do Cine Paradiso, que foi a pessoa mais importante em sua vida. Em "The Man Who Shot Liberty Valance" (1962), o senador Ranse Stodderd (James Stewart) e sua esposa Hailie (Vera Miles) retornam a uma cidadezinha perdida no meio do deserto, Shinbone, para o enterro de um velho, Tom Doniphon (John Waye), dobre quem poucos sabiam algo. Mas na verdade, os destinos de Ramse foram modificados por Doniphon, ao qual, vem prestar sua última homenagem. É apenas uma manifestação, num das muitas "leituras" paralelas que "Cinema Paradiso" oferece aos que amam a sétima arte. Pois na universalidade do tema, milhares de cinéfilos acima dos 35/40 anos devem identificar-se com o clima de magia de quando só existia cinema em salas de projeção e cujo acesso era estritamente vigiado aos "menores" nas exibições de "filmes proibidos", como faz o censurador padre Adelfio (Leopoldo Trieste), o dono do antigo Cine Paradiso, "onde nunca vimos uma cena de beijo" esbraveja um espectador. Tornatore compõe personagens fellineanos - como o louco da aldeia (Nicolo Di Pinto), que reivindica ser "o dono da praça" após as sessões do cinema - que, destruído por um incêndio, seria reconstruído, já ainda mais belo e liberal (finalmente sem os cortes dos filmes vistos previamente pelo padre Adelfio) por um napolitano que enriqueceu quando ganhou a loteria esportiva. xxx Veteranos homens da cinematografia como o estimado Zito Alves Cavalcanti, 57 anos, 43 trabalhando em nossas salas (ele é quem garante a manutenção dos aparelhos, já tendo instalado mais de 100 salas só no Paraná) por certo não esconderão as lágrimas ao verem as imagens de um filme que tem como personagem-herói o velho Alfredo (Philippe Noiriet, em atuação esplêndida, prêmio Cesar de melhor ator-89), um operador de cinema, que vê o garoto Totó (Salvatore De Vito) crescer - do moleque encantador (Salvatore Cascio, a maior revelação como intérprete infantil), passar pela adolescência (Mario Leonardi), quando se apaixona pela bela Elena (Agnes Nazo), um amor interrompido pela separação geográfica, e que o convence de partir para a cidade grande, onde se tornaria alguém, longe da ilusão de uma vida cinzenta como operador de um cinema de aldeia: - "A vida não é o cinema. A vida é difícil" - diz Alfred, já cego, devido ao incêndio do cinema, numa das últimas vezes que fala com o garoto que aprendeu a amar como um filho. A mãe - da jovem Maria (Antonieta Atilli) a envelhecida senhora (Pupella Maggio), sofredora na ausência do marido morto no front de batalha russo, que a havia deixado com dois filhos, é uma personagem de imensa força - emocionante às lágrimas na penúltima seqüência. Até na escolha do elenco, Giuseppe Tornatore foi extremamente explícito, fazendo retornar, já envelhecidos, artistas que, há três ou quatro décadas nos encantavam em papéis infantis - como Jaques Perrin de quem Calerio Surlini obteve, em 1962, uma interpretação antológica em "Dois Destinos" (Cronaca Familiare), Brigitte Fossey, aquela garota sardenta que em "Brinquedo Proibido" (Jeux Interdits, 1952), emocionou o público que garantiu que o filme permanecesse quase três meses em exibição no antigo Cine Marabá, coincidentemente mesma sala que, hoje com o nome de Bristol, exibe "Cinema Paradiso" (que, se espera, consiga permanecer ao menos duas semanas em cartaz). "Cinema Paradiso" é, como "Splendor", um poema, uma emoção, um sentimento nostálgico que passa a velocidade de 24 imagens por segundo. Tudo é perfeito e Enio Morricone, compositor maior, não precisava exagerar. Criou uma trilha sonora tão emotiva que só ela já obriga ao espectador mais sensível, tal como acontece em algumas cenas do próprio filme, apanhar o lenço e enxugar as lágrimas. A propósito: não se reprima! Se v. ama o cinema, chore à vontade. A lágrima vale mais do que estrelas para classificar obras-primas como esta. LEGENDA FOTO - A magia da usina de sonhos na visão de quem ama o cinema; Alfred (Philipe Noiret) e Salvador criança (Salvatore Cascio) e adulto (Jacques Perrin) em "Cinema Paradiso", uma obra-prima em exibição no cine Bristol. Concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro e já foi premiado em Cannes-1989.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
02/03/1990

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