Login do usuário

Aramis

Viaje com miss Daisy nos caminhos da vida

"Não aceites docilmente esta bela noite. A velhice deveria rugir e esbravejar ao findar do dia. Enfurece-te, enfurece-te contra o apagar das luzes". (Dylan Thomas, um poeta inglês que morreu em Nova York, em 1953, aos 39 anos.) As nove indicações que recebeu para o Oscar, na próxima segunda-feira, 26, e os três Globos de Ouro que a Associação da Imprensa Estrangeira já concedeu - melhor filme, ator (Morgan Freeman) e atriz (Jessica Tandy), fazem de "Conduzindo Miss Daisy" (cines Lido I e Palace Itália, a partir de hoje, 5 sessões), o favorito, ao menos em termos de nominations para a festa máxima do Oscar. Se vai ou não emplacar os principais prêmios (*) a que concorre é difícil prever, já que surpresas sempre acontecem. Mas se prevalecer a tendência conservadora da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, cuja maioria de sócios-votantes é acima dos 40 anos, obviamente que "Driving Miss Daisy" tem amplas chances de ser o grande campeão - o que fará de Alex Adamiu, da Paris Filmes, um homem ainda mais rico. Afinal, no ano passado, quando Richard e Lili Zanuck estavam ainda produzindo este filme - distribuído nos Estados Unidos e outros países pela Warner - ele adquiriu seus direitos para o cinema e vídeo (lançamento previsto para breve). As novas indicações ao Oscar asseguram um bom retorno do investimento - que poderá se multiplicar dezenas de vezes com as premiações. Com exceção de "My Left Foot" ("Meu Pé Esquerdo", ainda sem data de lançamento no Brasil), os filmes que disputam as categorias principais já podem ser vistos em Curitiba: "A Sociedade do Poetas Mortos", de Peter Weir (Cine Bristol, 3ª semana), "Campo dos Sonhos" (de Phil Alden Robinson, 2ª semana) e, a partir desta quinta-feira, "Nascido em 4 de Julho", de Oliver Stone (Condor) e "Conduzindo Miss Daisy". Além de fazer com que os cinemas voltem a terem bom público (mesmo com ingresso a Cr$ 120,00) a simultaneidade na exibição dos indicados ao Oscar possibilita ao espectador uma visão comparativa dos trabalhos de forma que possa fazer seu próprio juízo crítico - e acompanhar ainda com maior interesse a premiação de segunda-feira, ainda mais considerando que outros indicados - como ao melhor filme estrangeiro ("Cinema Paradiso", o favorito, em 4ª semana no Cinema I) - também já estão sendo apresentados - ou foram exibidos recentemente. xxx Como "Cinema Paradiso", "Campo dos Sonhos" e "O Tiro Que Não Saiu Pela Culatra" (duas indicações: melhor canção e melhor atriz coadjuvante - Diana Wiest), "Driving Miss Daisy" volta-se a um universo do emocional, da dignificação de valores como a amizade, a família, a confiança nas pessoas. Enquanto "My Left Food" (sobre um paraplégico que se torna um grande artista plástico) e "Nascido a 4 de Julho" (um veterano do Vietnã, paralítico, engaja-se nos movimentos pacifistas) - ambos baseados em fatos reais - representam hinos de confiança e esperança, mesmo com a adversidade física, os filmes acima mencionados (bem como alguns outros, de recente safra cinematográfica) também se preocupam com valores positivos, numa exaltação em que o lado dows, cinzento, pessimista e cruel que vinha caracterizando, cruelmente, o cinema a partir dos anos 60, cede espaço a crença de que dias melhores virão - ou já chegaram, dependendo do esforço de cada um - da esperança e da vontade individual. Tocando num tema difícil, que com facilidade pode cair no melodrama, "Driving Miss Daisy" confere extrema dignidade a discussão da velhice, num emolduramento em que o preconceito racial também é uma condicionante. Uma velha judia, rica, dificílima em suas exigências, e o relacionamento que estabelece com um carinhoso de dedicado motorista, negro, sexagenário, capaz de conduzi-la não apenas nos automóveis, ao longo de 25 anos de dedicado trabalho, mas para um entendimento de fatos que a ela passavam desapercebidos. Alfred Uhry, autor da peça que recebeu o prêmio Pulitzer de teatro há dois anos, conseguiu traduzir num texto enxuto e perfeito todo um universo humano e social porque partiu de sua própria realidade. Americano de Atlanta, Geórgia - onde se passa a história - buscou elementos (e personagens) reais para construir uma história densamente humana, que se torna na empatia universal por atingir o espectador em sua consciência e emoção. Com uma boa experiência teatral (há 15 anos vem trabalhando com peças dramáticas e musicais na Broadway), Uhry não caiu em maniqueísmos ou posições melodramáticas ao relatar o crepúsculo de uma sulista rica, mas de origens humildes, a Sra. Werthzon (Jessica Tandy) que, como uma velha dama teimosa em recusar o auxílio de um motorista perfeito, o negro Hock Colburn (Morgan Freeman), contratado por seu filho, Bollie (Dan Aykroyd), para ganhar maior tranqüilidade e poder se dedicar a indústria herdada de seu pai. A relação hostil, dura, melhorou com o passar do tempo - embora isto aconteça lentamente. Entre 1948 - quando a ação inicia - até 1973, com o emocionante final - são duas décadas e meia em que muita coisa muda, mas não o suficiente para modificar as coisas como elas deveriam ser. Se no palco, o texto de Uhry obteve várias (merecidas) premiações, nesta transposição a tela, teve a felicidade de encontrar um diretor seguro - o australiano Bruce Beresford, 50 anos, que há quatro anos já havia obtido sucesso com outra transposição teatral: "Crimes do Coração" (Crime of the Heart), da peça de Beth Henley (recentemente montada no Rio de Janeiro) e que, em 1983, deu a Robert Duvall a chance de ganhar o Oscar de melhor ator por outro filme profundamente emotivo - "A Força do Carinho" (Tender Mercies). Mesmo com alguns deslizes em sua filmografia (o terrível "Rei David", 1985), Beresford tem a sensibilidade para contar histórias que falam ao coração e no caso de "Driving Miss Daisy" teve uma somatória de fatores importantes. De princípio, um roteiro (no qual colaborou o próprio Uhry) que evitou o óbvio, fazendo apenas sugestões que marcam os fatos que cercam as várias épocas (a explosão de uma sinagoga em 1958, a luta de Martin Luther King, cuja voz se ouve quando ele foi homenageado pelos liberais de Atlanta em janeiro de 1965 no Dinkler Plaza Hotel, três anos antes de ser assassinado por James Earl Ray em Menphis, Tennessee, no dia 4 de abril de 1968) numa linguagem extremamente econômica. A escolha dos intérpretes não poderia ser mais perfeita: Jessica Tandy, 81 anos a serem completados no próximo dia 7 de junho mais de 60 de vida artística, está perfeita na criação da Sra. Daisy - interpretação que a fez favorita para levar o Oscar de melhor atriz. Morgan Freeman, 53 anos a serem completados no dia 1º de junho, como o motorista Hoke também está perfeito. Pouco conhecido no Brasil (como a própria Jessica, cuja carreira tem sido mais dedicada ao teatro), dá ao seu personagem uma empatia especial. Mesmo um ator visto até hoje preconceituosamente - Dan Aykroyd, 38 anos - identificado ao humor em dupla com John Belushi (1945-1982) - com quem fez comédias como "Os Irmãos Cara de Pau" e "1941", surpreende pelo seu lado dramático. Esther Rolle, a negra Idella, está também esplêndida - como uma presença característica do old south. Estreando no cinema americano, o fotógrafo australiano Peter James capta as nuanças externas e realça a perfeita direção de arte dos interiores. Mas o melhor fica na trilha sonora: Hans Zimmer, revelação do ano passado por "Rain Man", criou uma trilha perfeita: aos temas incidentais (incluindo uma canção com Ella Fitzgerald) desenvolveu o main title tão harmoniosamente que, se bem divulgado nas FMs, pode se tornar tão popular como ficou o "Colonel Bogey" (Malcoln Arnold), há 33 anos passados. Um filme para muitas interpretações, mas belo e emotivo justamente pela sua simplicidade, "Conduzindo Miss Daisy" confirma os elogios e justifica uma boa torcida por sua vitória na madrugada de segunda-feira. Nota (*) Além de concorrer ao Oscar de melhor filme, "Conduzindo Miss Daisy" disputa os Oscars de melhor ator (Morgan Freeman); atriz principal (Jessica Tandy); ator coadjuvante (Dan Aykroyd); roteiro adaptado (Alfred Uhry), figurinos (Elizabeth McBride): direção de arte (Bruno Rubeo); montagem (Mark Warner). LEGENDA FOTO - Um filme tocante e que concorre ao Oscar em 9 categorias: "Conduzindo Miss Daisy", com Dan Aykroyd, Jessica Tandy e Morgan Freeman. Em exibição nos cines Lido I e Palace Itália.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
22/03/1990

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br