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Aramis

Na semana do Oscar, curta o sexo, mentiras e videotape

... and the Oscar goes to... E o Oscar foi distribuído eqüitativamente. Com exceção de "O Campo dos Sonhos", os outros quatro filmes que tiveram as principais nominations acabaram ganhando premiações - mais ou menos importantes de forma que com a super-super festa vista por um bilhão de espectadores em todo o mundo, via tv-satélite, é claro que os filmes devidamente oscarizáveis devem prosseguir em cartaz. Curiosamente, "Field of Dreams" - que embora concorrendo em 3 categorias (inclusive de melhor filme) não teve nenhuma premiação, havia, brutalmente, tido sua carreira cortada no cine Plaza, no último sábado. É que a Columbia decidiu lançar nacionalmente a mais nova picaretagem feita sobre o modismo da lambada - "Lambada! A Dança Proibida" na semana passada e assim o lírico filme estrelado por Keven Kleiner [Kevin Costner] acabou dançando literalmente. No mesmo dia, a Warner impôs sua força e também fez com que a Fama substituísse o filme de lutas marciais que estava em exibição no São João para ali lançar outro filme sobre o mesmo tema: "Botando Fogo na Noite - Lambada". São duas produções realizadas a toque-de-caixa, totalmente dispensáveis mas que chegam para aproveitar o super marketing que a lambada conseguiu - a tal ponto que, durante a festa do Oscar, por duas vezes, Billy Cristal, o mestre-de-cerimônias, referiu-se a "lambada" - que, quem diria, até há 3 anos era uma dança só conhecida na Amazônia, especialmente em Belém do Pará - onde Pinduca reinava absoluto com o gênero. Nesta semana em que os filmes oscarizáveis continuam em cartaz, acontece apenas uma estréia: "sexo, mentiras e videoteipe" (o título, segundo exige o diretor, deve ser escrito com letras minúsculas), que deu a Palma de Ouro a Steven Sondenberg em Cannes, mas que só lhe valeu a indicação ao Oscar de roteiro original (para a qual também concorria Spike Lee, com "Faça a Coisa Certa"), que acabou indo para as mãos de Tom Schullman, de "Sociedade dos Poetas Mortos" (que continua com ótimo público no cine Bristol). Cult Movie "sexo, mentiras e videoteipe" formou com "Faça a Coisa Certa" de Spike Lee (já visto em Curitiba) e "Mistery Trian" de Jim Jamursch a trilogia dos cult-movies mais curtidos, elogiados e discutidos em 1989. Produções modestas para os padrões americanos, estes três filmes foram sopros renovadores no cinemão tradicional e o fato de não estarem entre os premiados com o Oscar prova que a sexagenária Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood continua conservadora. Em Cannes, "sexo, mentiras e videoteipe" foi consagrado: além da Palma de Ouro como melhor filme, valeu também a premiação para o ator James Solter e teve maior cobertura. Sondenberg, 26 anos, que fez a direção, o roteiro e a montagem, embora com um orçamento mínimo (US$ 1,2 milhões) em termos de cinema americano, teve que usar a camisa para conseguir realizar este filme, que era considerado "pornográfico". Mas - e aí está o seu grande interesse - ele aborda sexo e pornografia sem ser pornográfico. Como escreveu Roberto Ventura ("Folha de São Paulo", 13/10/89), "sexo, mentiras e videoteipe" é um filme intimista, que evita as cenas externas, detendo-se nos espaços interiores, a casa, o escritório, o bar, o consultório, onde as pessoas deveriam poder mostrar sua intimidade. As tentativas de comunicação são porém superadas pelas barreiras: Ann não se deixa tocar pelo marido John, que transa com a cunhada Cynthia (a voluptuosa Laura San Gia, como revelação do filme). Lembrando que o filme de Sondenberg é uma espécie de "Teorema Versão 1989", Ventura escreveu que "o espectador respira uma atmosfera moral: o adultério e a hipocrisia são condenados, ainda que de forma mais sutil do que o hit "Atração Fatal" (amanhã, aliás, em exibição no horário nobre da Globo). (...) "Em uma década saturada de imagens, Sondenberg propõe a apropriação privada do vídeo, como forma de revelar a verdade íntima e cada um. Não há visão crítica ou condenação da tecnologia. A regeneração moral e sexual dos personagens passa pela interação com a câmara". Sem dúvida, a estréia mais interessante da semana - um filme de visão obrigatória. No cine Ritz, em 5 sessões. Os filmes oscarizáveis Mesmo com ingresso a Cr$ 120,00 (a partir de quinta-feira, a metade de segunda a quarta), os filmes que tiveram a catapulta do Oscar deverão continuar a ter bom público - embora sem superlotações (como acontecia no passado) nas salas. O grande premiado - melhor filme, atriz (Jessica Tandy), maquilagem e roteiro adaptado (Alfred Uhry) - "Conduzindo Miss Daisy", de Bruce Berensford, está em exibição no Lido II e Palace-Itália. Uma obra terna, emocionante, sobre a relação de uma velha judia, Miss Daisy Werthan (Jessica Tandy, 81 anos, maravilhosa - mereceu o Oscar) e o seu motorista negro, Hoke Colburn (Morgan Freeman, que disputou o Oscar de melhor ator). O filme também mostra que Dan Aykroyd, visto até agora apenas em comédias descartáveis, é um bom ator. A trilha sonora de Hans Zimmer ("Rain Man"), injustamente, não concorreu ao Oscar - mas traz um dos temas mais comunicativos destes últimos anos, facilmente assobiável e que se pode tornar um êxito popular. Um filme para ser visto e recomendado. Em termos políticos, dentro da linha do cinema-denúncia, "Nascido a 4 de Julho" de Oliver Stone (melhor diretor é o mais importante dos cinco indicados ao Oscar). Baseado em fatos reais - a vida de Ron Kovac, que foi voluntário (como Stone) no Vietnã e, voltando paralítico, se conscientizou da estupidez da guerra e passou a condenar os EUA pela invasão do Sudeste da Ásia - "Born in Fourth July" é emocionante, corajoso, sincero. Mais do que "Platoon - segunda parte" como, injustamente, parte da crítica tentou rotulá-lo, este é um dos melhores - senão o melhor filme já feito sobre o Vietnã. Para quem reclama de que o cinema americano vem se voltando muito para este assunto, uma lembrança: a II Guerra até hoje ainda motiva produções - desde as questões mais triviais até as denúncias sérias - e nem por isto, passados 45 anos, a fonte secou como temática. A guerra do Vietnã, pela sua proximidade, pelos riscos de novos Vietnans acontecerem, deve merecer novos approachs cinematográficos, ser reavaliado, discutido, entendido - e nada melhor do que o filme de Oliver Stone para tanto. Mesmo tendo ficado com apenas uma solitária premiação - roteiro original - a "Sociedade dos Poetas Mortos" é outro filme de idéias, profundo e sincero, que merece ser visto. A personalidade do professor John Keting (Robin Williams), que já em sua primeira aula diz que a morte é certa e por isso a vida precisa ser usufruida de maneira intensa e criativa, traduz a grande lição que este filme traz. Um filme up, positivo - como são também "Driving Miss Daisy" e "Nascido a 4 de Julho" - e que justificam que "Sociedade dos Poetas Mortos" seja visto e discutido. Pena que inexistam instituições em Curitiba que promovam debates sobre filmes em exibição - que saudades dos bons tempos do cine clube Pró Arte e do cine de arte Riviera, que José Augusto Iwersen dirigia com tanto entusiasmo - para que obras como estas fossem melhor analisadas. Há toda uma geração interessada em cinema, sedenta de informações, querendo saber mais sobre filmes que possibilitam muitas leituras, que se entusiasmariam em participar do cine-fóruns, debates, cursos, etc. Outras opções Finalmente, a Fucucu criou vergonha e vai reformar o cine Groff, cuja situação era de calamidade e justificaria até uma intervenção da própria prefeitura. A partir de segunda-feira, o cinema fecha suas portas para reforma geral: novas poltronas, reforma dos banheiros etc. Até domingo, continua a reprisar "Memórias do Cárcere", de Nelson Pereira dos Santos, baseado na obra-prima de Graciliano Ramos. No Luz, em reprise, um digno documentário para os beatlemaníacos se entusiasmarem: "Imagine/John Lennon", de Andrew Solt. Já no distante Guarani, volta em novela de Isak Dinensen (pseudônimo de Karen Blixten, autora de "Out od Africa" que faturou sete Oscars com direção de Sidnei Pollack). Um belo filme que, se espera, encontre público, já que a freqüência do Guarani está praticamente ridícula: as sessões são constantemente canceladas e "Quincas Borba", de Roberto Santos, em uma semana teve 14 espectadores. No circuito central, a fora os dois filmes sobre lambada - "Botando Fogo na Noite" de Joel Silberg (São João) e "A Dança Proibida", de Greydon Clark (Plaza) - ambos com elencos desconhecidos (incluindo Laura Hering, que foi Miss América-85), outro lançamento é "O Jovem Einstein", - cine Astor escrito, dirigido e interpretado por um comediante australiano - Yahoo Serious. Como dois dos filmes oscarizáveis foram realizações de australianos que se deram bem nos EUA - Berensford ("Driving Miss Daisy") e Peter Weir ("Sociedade dos Poetas Mortos"). quem tiver tempo que confira esta comédia amalucada que brinca com a juventude do criador da teoria da relatividade. LEGENDA FOTO - "O Jovem Einstein": irreverência australiana. Em exibição no Cine Astor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
30/03/1990

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