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Aramis

a parceira que foi <<happening>>

A invés de << Parceria >>, pode-se dizer que a presença de José Celso Martinez Corrêa, segunda-feira, no Paiol, foi um happening. Um happening brilhante, audacioso, corajoso - com a carga energética deste autor-ator-diretor-cineasta-político que nos últimos 20 anos teve uma influência decisiva na vida teatral brasileira. Lúcio Alves, uma das vozes mais belas do Brasil, personalidade e amigo fascinante, permaneceu mineiramente (afinal ele é de Cataguazes, a mesma terra do cineasta Humberto Mauro) quase sem falar, cantando seis belíssimas músicas de seu repertório. Sé Celso, em compensação, falou longamente, dançou e até cantou << Verdura >> , de Paulo Lemiski - por ele enaltecido como um dos grandes talentos paranaenses, mas que nem por isso compareceu. Aliás, há algumas semanas, a presença de outro vanguardista. Décio Pignatari - amigo do autor de << Catatau >>, também não foi o suficiente para fazer o controvertido porta-publicitário comparecer ao Paiol. Aliás, seria de se imaginar que a presença de uma personalidade como José Celso Martinez Corrêa, uma das usinas-geradoras do Teatro Oficina - mais importante grupo cêncio dos anos 60 - motivaria a presença da nossa classe teatral. Afinal, seria a oportunidade de se sentir o que pensa o diretor de << Roda Viva >> - a peça de Chico Buarque que, em 1968, provocou duas ações armadas do então ativíssimo Comando de Casa aos Comunistas, em São Paulo e Porto Alegre (<< na capital paulista o pessoal do CCC viu a peça 75 vezes antes de promover o ataque >>, revelou Zé Celso). Além de ter dirigido espetáculos dicutidos, elogiados, criticos - mas que transformaram o teatro brasileiro, Zé Celso passou os últimos anos no exílio, trabalhando em Portugal e Moçambique, com novas propostas - inclusive o cinema, agora sua paixão maior como forma de comunicação. Afinal, poucas pessoas da vida artística brasileira teriam tanto a dizer quanto Zé Celso, que por várias vezes esteve em temporadas Curitiba, aqui inclusive ensaiando << Na Selva das Cidades >>, de Brecht - durante a temporada de << Galileu, Galilei >> - quando Eloá Rodrigues lhe ensinou a << usar o corpo >>, como, rebolando, mostrou no palco. Mas além de terem sido poucos os profissionais (sic) do teatro local a comparecer ao Paiol (e o frio não é desculpa), a maioria saiu antes do final e ninguém fez pergunta objetivas e interessantes a Zé Celso. Mesmo assim, durante quase 50 minutos sua exposição sobre o teatro brasileiro dos últimos anos - e especialmente o que se faz agora - foi brilhante, diria até antológica. Sem papas na língua - os palavrões fluiam naturalmente - Zé Carlos analisou o TBC, falou da << eterna-juventude >> de Tônia Carrero, do << classicismo >> de Paulo Autran, ironizou, sutilmente, o Arena e denunciou a pasteurização do teatro de nossos dias - endereçando as farpas mais afiadas para televisão, especialmente a Rede Globo de Televisão. Em compensação admitiu que deseja voltar a fazer teatros, mas liberto de compromissos com o público, rebelde audacioso - como foi << O Rei da Vela >>, de Oswald de Andrade, há 11 anos - e que teve seis horas de filme, agora em montagem, pelo próprio Zé Celso e o cineasta Noilton Nunes, o elogiado diretor de << Leucemia >>, documentário pró-Anistia, que também está sendo refilmado. As atividades de Zé Celso na área do cinema - como realizador do documentário << 25 >>, sobre a libertação de Moçambique - já exibido há alguns meses, no auditório do Colégio Estadual do Paraná, mais textos diversos, mémorias da época do Oficina, fotos, documentos, anotações, etc, foram reunidos no livro << Cine olho Apresenta Cinemação >> (Cine Olho Revista de Cinema/5.º Tempo/ Te-Ato Oficina, 160 páginas, Cr$ 200,00), que embora oferecido aos presentes no Paiol, não vendeu mais do que 30 exemplares. Entretanto, trata-se no mínimo de um texto-documento capaz de ajudar a entender melhor o pensamento de José Celso, especialmente no torvelinho de idéias que marcam este seu retorno ao Brasil (a quem interessar posso, o livro pode ser solicitado, via reembolso postal, a 5.º Tempo Produções artísticas e Culturais, Rua Jaceguai, 520, Bela Vista, São Paulo, SP). *** Envelhecido precocemente, calvice em escalada contratando com os cabelos brancos, José Celso está diferente do jovial diretor que esteve por 3 temporadas em Curitiba, com peças como << Quatro Num Quarto >>, << Galileu Galilei >> e << Os Pequenos Burgueses >>, marcos do Oficina. Numa época em que o grupo reunia um dos melhores núcleos de intérpretação do Brasil - Itala Nandi, Renato Borghi, Etty Frazer, Renato Dubal, Fernando Peixoto entre outros. A repressão de 1968, experiência cada vez mais vanguardistas - após a agressão provocada por << Roda Viva >>, houve as experiências de << Gracias Señor >> e, por último, a montagem de um texto de Tchecov, último trabalho teatral de Zé Celso no Brasil, levaram o grupo a ser extinto - com seus fundadores procurando caminhos diversos. Mas a presença de José Celso sempre foi muito forte e embora seu irmão caçula, Luís Corrêa, diretor de << A Ópera do Malandro >>, tenha seguido caminhos menos controvertidos, há ainda os que esperam muito deste seu retorno ao Brasil. Afora confirmar que sua atual preocupação e montar e lançar o filme << O Rei da Vela >> - talvez uma das produções mais tumultuadas da história de nosso cineteatro - e que seu sonho é encenar << O Homem e o Cavalo >>, de Oswald de Andrade, nunca montado no Brasil, José Celso pouco disse de concreto. Falou muito, fez colocações inteligentes, procurou fazer o público presente (re) pensar em torno de vários aspectos. Dos muitos artistas - de outros Estados - presentes na platéia, o cineasta gaúcho Jesus Pfeil, o compositor eginaldo Bessa (junto com sua bela esposa, Elisabeth) e a cantora Ademilde Fonseca, acabou convocando a mais rápida intérprete de << Chorinho >> para cantar algumas músicas - o que ela fez, incluindo << Carinhoso >> (Pixinguinha/João de Barros), para que todos pudessem acompanhá-la, pois afinal quem não conhece a letra deste clássico da MPB? *** Do muito que José Celso Martinez Corrêa disse nas quase quatro horas de duração da << Parceria >> (o bom Lúcio, violão na mão, ficou educadamente ouvindo o tempo todo) sobrou muito pessimismo: o teatro vai mal, a cultura precisa ser repensada e, de certa forma, a juventude de hoje não vibra, não vive, diz Zé Celso. Elogiou os jovens da década passada que na luta armada, na contestação, mesmo nas drogas, buscavam uma atuação maior, uma vivência e, por várias vezes, repetiu que é necessário amar, apaixonar-se, lutar. << Sem amor nada é possível >>, deixou romanticamente sua mensagem - misto de ternura e agressividade. Difícil imaginar o que José Celso fará no futuro - tal a multiplicidade de seu pensamento. Mas uma coisa, ao menos, é certa: acomodado é que ele não está. Muito pelo contrário.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
25/06/1980

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