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"Pedra Podre" faz denúncia do sonho que pode virar pesadelo

O próximo filme do cineasta baiano Roberto Pires, será uma segunda parte de "Césio 137", no qual mostrará o destino trágico das vítimas do acidente de irradiação nuclear em Goiânia. Embora ainda inédito comercialmente - até agora visto apenas nos festivais de Natal e Brasília, nos quais mereceu premiações - e sessões especiais em algumas cidades, o corajoso documento-drama de Pires, um dos quatro longas que representarão o Brasil no Festival do Cinema Livre de Havana, a partir do dia 4, se constitui, em termos de denúncia e atualidade, na mais importante obra do ano - e aquilo que classificamos de "filme de absoluta utilidade pública". Preocupado há mais de 15 anos com os problemas do meio ambiente, especialmente dos riscos da contaminação atômica, Roberto Pires tem como objetivo realizar, talvez em 1991, um longa-metragem sobre a Usina Nuclear Angra I, abordando, especialmente, a falta de segurança. Um projeto ambicioso, difícil de ser viabilizado mas importante para que milhões de pessoas tomem conhecimento de uma questão atualíssima e, até hoje, pouco discutida. Afinal, só agora, com o seu filme "Césio 137", se tem uma narrativa quase didática da tragédia de Goiânia - cujos efeitos continuam a se fazer sentir. xxx Modestamente, num trabalho quase amador, quatro idealistas jovens realizaram um vídeo sobre Angra I, que, diretamente, aborda a temática que Pires pretende desenvolver em seu longa: "Pedra Podre", 22 minutos, que participou da mostra competitiva do RioCine, mereceria alguma premiação - ao menos pela denúncia que faz. Lígia Girão, cearense, jornalista, 34 anos; as gaúchas Eva Lise Silva, 31 e Stela Grisotti, 27, mais Walter Behr, 27 anos, formado em administração de empresas - todos radicados em São Paulo, passaram a se interessar por questões ecológicas nos últimos 4 anos e, conhecendo-se melhor durante a manifestação "Vamos Brincar na Usina", entre os dias 15 a 17 de abril de 1989, em Angra dos Reis, decidiram documentar em vídeo aspectos que a chamada grande imprensa até hoje ignorou. A partir de um acidente ocorrido em 23 de janeiro de 1989, quando um raio disparou o alarme de Angra I e ficou constatado a fragilidade do esquema de segurança para a retirada da população civil da área, o vídeo mostra aspectos impressionantes sobre a irresponsabilidade com que este projeto vem sendo desenvolvido - apesar do custo de mais de US$ 10 bilhões - responsável por boa parte da dívida externa do Brasil. O vídeo inicia com uma entrevista com o cacique Veramirim, de uma aldeia de 300 índios Guaranis, que vivem a 10 quilômetros da usina e que sempre chamaram a praia na qual foi construída a usina, de "Itaorna" - que em Tupi-Guarani significa Pedra Podre. Stela Grisotti, atuante no movimento ecológico - e que junto com Walter Behr esteve na Alemanha, a convite do Partido Verde, diz que o vídeo foi realizado para denunciar "uma história de erros que o regime militar manteve propositalmente afastada da opinião pública". - "Já na construção, apresentava falhas geológicas que foram responsáveis pelos primeiros problemas do programa nuclear brasileiro. Com o tempo, outros surgiram". O jornalista William Waack, um dos profissionais que internacionalmente vem acompanhando a questão dos riscos da usina nuclear, fez a narração do texto de Lígia Girão e Toninho Neves, nos quais são dadas informações básicas sobre os erros na construção de Angra I, a paralisação da Angra II e o sonho da Angra III - que mereceram também estudos por parte do cineasta Frederico Fullgraf - atualmente na República Federal da Alemanha - em seu "A Bomba da Paz" (editora Brasiliense, 1988, primeira edição esgotada), tema também de uma média-metragem que vem preparando há 4 anos. Embora não tendo feito filmagens na Usina - o que, obviamente, seria vetado pela direção da Furnas, que opera a primeira unidade - os realizadores de "Pedra Podre" conseguiram entrevistar o ex-presidente da Nuclebras, engenheiro Rex Nazareth, cujas "explicações", vazias e demagógicas, provocam risos. Em compensação, nota-se sinceridade nos depoimentos colhidos com moradores da região, o engenheiro Roberto Lopes, funcionário da Usina e vereador pelo PT; o físico Luís Pinguelli Rosa, o engenheiro Cleber Concenza e o prefeito de Angra dos Reis, Nairobis Nagai, além de integrantes do movimento de Defesa Civil. Todos os entrevistados confirmaram que o alarme que soou por horas na madrugada de 21/01/1989, provocado por um raio, provou a precariedade dos esquemas de segurança da usina - que se localiza a 120 quilômetros do Rio de Janeiro e 220 de São Paulo - o que aumenta terrivelmente os riscos de uma contaminação nuclear. Walter Beher, que viveu seis meses em Angra dos Reis, pesquisando a respeito, trabalha atualmente num novo projeto: a questão das terras ocupadas pelas usinas, que pertenceriam a família Batista, há sete gerações na região e que dispondo de documentação legal está tentando receber uma indenização na Nuclebras, já que foram expulsos da área há quase 20 anos, quando as obras tiveram início. Utilizando gráficos e quadros, lembrando os erros técnicos e a falta de planejamento inclusive nas obras de engenharia civil, "Pedra Podre" estarrece perante a gravidade das questões levantadas - e até agora não contestadas nem pela Furnas (que administra e opera a Angra I) nem pela Nuclebras (responsável pelo projeto e implantação do Programa Nuclear Brasileiro). "Pedra Podre" foi realizado com muitas dificuldades, praticamente sem recursos: a produtora Emma Vídeo, de São Paulo, cedeu as câmaras. Álvaro Faria fez a sonorização e quatro jovens videomakers se uniram para a edição de imagens (Osvaldo Flosi Jr., Fafá, Marcelo Correa e Eliane Grimberg-Lika) com a colaboração básica da Uzina e Videoimagem. xxx Já exibidos no Congresso, em Brasília - para uma sessão apoiada pelo deputado Fábio Feldeman e com cópias legendadas em inglês e alemão levadas a Europa por Lígia Girão, para mostrar a entidades ambientalistas - na esperança de conseguir recursos para novos projetos, "Pedra Podre" deveria ser trazido a Curitiba, especialmente porque o prefeito Jaime Lerner tanto alardeia o título de "Capital Ecológica". Está aí, uma oportunidade de se fazer uma bela promoção e reunir não só este vídeo, mas outros trabalhos que tratam dos riscos nucleares - como os filmes de Pires ("Abrigo Nuclear" e "Césio 137"), José Anchieta ("Parada 88/Limite de Alerta", 1977), Fullgraf e outros realizadores que, a custa de sacrifícios, tem se voltado a denunciar a destruição do meio ambiente. Uma promoção muito mais válida e importante do que a lamentável extensão da Mostra Internacional de Cinema que custou US$ 20 mil e não teve nem 2 mil espectadores. LEGENDA FOTO - Cartaz do vídeo "Pedra Podre", produção independente que busca alertar a população sobre o precário sistema de segurança da usina nuclear de Angra dos Reis.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
02/12/1990

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