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Aramis

A saga dos caminhoneiros

Depois de três anos do início das filmagens, "Jorge, um Brasileiro" chega às telas (em Curitiba, estréia dia 2 de março, cines Lido I e Itália). Super produção para os padrões brasileiros - mais de 30 empresas se associaram ao projeto de Paulo Thiago, pavimentando o projeto com empréstimos desde quadros até carretas e caminhões - a transposição às telas do romance de Oswaldo França Júnior há muito vem sendo aguardada. Problemas de laboratório impediram que a cópia ficasse pronta para disputar festivais em 1988 - inclusive representando o Brasil no FestRio, em novembro, mas agora, independente de seu lançamento num grande circuito nacional, estará competindo em festivais nacionais (talvez em Gramado, em maio próximo) e internacionais. Só para transformar o livro de Oswaldo França Júnior em roteiro foram oito meses de trabalho. Agora, este romance que conta a saga de um grupo de caminhoneiros por enlameadas estradas do Interior, deverá atingir ainda um público maior - ampliando edições que se sucedem há 22 anos e que o fazem passar da casa dos 200 mil exemplares vendidos. Para o sucesso do filme vai contar muito uma coincidência: há três anos, o diretor Paulo Thiago reuniu Carlos Alberto Ricelli e Glória Pires - o casal de vilões da telenovela "Vale Tudo" (na época nem se pensava neste folhetim eletrônico). Mas no filme Ricelli é o personagem-título, Jorge, que tem a difícil missão de resgatar uma carga retida num atoleiro em Governador Valadares e levá-la a Belo Horizonte a tempo de se inaugurar uma refinaria de milho. Uma missão difícil: as chuvas que há 40 dias castigam a região deixaram mais de 300 mortos e 69 pontes destruídas. Mas Jorge é um brasileiro decidido e vai em frente. Glória Pires (Maria de Fátima) é uma suave enfermeira (Sandra) que procura mostrar que o patrão americano, Mario (Dean Stockwell) não é flor que se cheire. Outros personagens humanos, com jeito do povo, cruzam neste filme que teve 64 dias de rodagem e mais de 500 outros para finalmente chegar às telas. Ele tem dez dias para atravessar estradas, florestas, rios e chegar ao destino com aquelas cinco enormes carretas, carregadas com algumas toneladas. Chove abundantemente na região. As pontes são destruídas, as estradas enlameadas, os rios fora dos leitos naturais. Fefeu, Toledo, Oliveira, Teo, Altair são alguns dos caminhoneiros que acompanham Jorge nesta missão. Cada um tem a sua história, sua raiva, sua personalidade e sua paixão. Mas todos têm uma vontade comum: vencer o desafio da natureza e chegar a Belo Horizonte no dia marcado. Basicamente, esta é a história de "Jorge, Um Brasileiro", que após ter sido um dos maiores sucessos nestes últimos anos como romance está chegando às telas, num filme que poderá representar o Brasil em festivais internacionais. Um ator americano, de 53 anos, 44 de cinema (estreou com apenas onze no filme "Marujos do Amor/Anchors Weight", 45, de George Sidney) Dean Stockwell, é também presença de destaque, com Mário, o patrão de Jorge, dono dos caminhões que na verdade se constituem em personagens da história. A contratação de Stockwell para o filme foi uma forma de abrir o mercado internacional, já que este ator tem aparecido em muitos (e importantes) filmes nos últimos anos - como "Veludo Azul" e "Paris Texas". No elenco feminino, além de Glória Pires, há presenças de destaque como Denise Dumont - que há 3 anos apareceu em "A Era do Rádio" (Radio Days, de Woody Allen) e atualmente mora nos EUA, como a personagem Fernanda; Imara Reis e Denise Bandeira também estão em papéis de destaque. Os caminhoneiros são interpretados por Roberto Bonfim, Paulo Castelli, Antonio Brassi e Jackson de Sousa - atores de tarimba, muitos deles também vistos em telenovelas. Cinema nas Estradas- "Jorge, Um Brasileiro", dirigido por Paulo Thiago, 43 anos, mineiro de Aimorés, integra-se numa categoria de cinema que pode-se chamar de "cinema das estradas". Ou seja, filmes em que a ação se passa em exteriores, nas estradas. Nos Eua, o gênero road movies tem uma ampla filmografia - e, em termos europeus, o alemão Wim Wenders vem marcando sua obra com filmes nos quais a estrada é parte integrante da ação - como em "Alice nas Estradas" ou no premiado "Paris Texas", que o consagrou internacionalmente. A filmografia é extensa (ver texto à parte, nesta mesma edição) e uma prova do gênero visto por olhos juvenis é o recente "O Mentiroso", produção gaúcha, rodada entre 1986/87, de Werner Schulmann, premiado no Festival de Brasília-88, um dos filmes que representaram o Brasil no último FestRio e cuja ação se passa, em grande parte, na BR-116, entre Porto Alegre e Florianópolis. A ação de "Jorge, Um Brasileiro" é nas estradas do Interior, em Minas Gerais, onde o filme foi rodado com a colaboração de órgãos rodoviários. Também a Volvo S/A colaborou basicamente com a produção, não só cedendo os caminhões, mas entrando como uma das co-financiadoras do projeto (orçamento de US$ 750 mil) Por esta razão, os diretores da Volvo foram os primeiros a assistirem ao filme, numa sessão reservada ocorrida há dois meses, quando a primeira cópia foi finalizada. A produtora-executiva do filme, a mineira Gláucia Camargo, 37 anos, esposa do diretor Paulo Thiago, aqui esteve acertando com o jornalista Jota Pedro, gerente de comunicação da Volvo, um esquema internacional para a promoção do filme - já que a empresa multinacional dará apoio logístico quando o filme chegar ao Exterior. O personagem- Falando sobre o personagem Jorge, o caminhoneiro - interpretado por Carlos Alberto Ricelli, a produtora Gláucia Camargo diz: - O caminhoneiro é o cavaleiro andante dos tempos modernos. Pela sua própria peculiaridade de atividade, o caminhoneiro desperta no grande público muito interesse de conhecimento. Seu lado aventureiro é apaixonante. O sentido de liberdade de estar na estrada se manifesta nos jovens, quando vemos nos grandes centros urbanos, vez por outra, um jeep carregado de pranchas e demais apetrechos, as pick-ups "incrementadas" com pinturas berrantes e buzinas estridentes, as mochilas dos caroneiros, prontos para mais uma aventura, sentimos o atrativo de nos colocarmos "na estrada"... on the road como dizem os americanos. O diretor Paulo Thiago, que já adaptou ao cinema textos do escritor mineiro Guimarães Rosa (1) - "Sagarana, o Duelo" e do escritor paraibano José Américo de Almeida (2), "A Bagaceira", além de ter, realizado uma superprodução sobre a invasão dos holandeses em Pernambuco ("Batalha dos Guararapes"), há seis anos fez um filme sobre o mundo do jogo do bicho no Rio de Janeiro, "Águia na Cabeça". Agora adaptando o romance de Oswaldo França Júnior (3), fez um filme que terá grande comunicação não só com o próprio mundo dos caminhoneiros - (e no Brasil há um milhão, dos quais 50% são autônomos, micro-empresários, donos de seus próprios caminhões e 70% deles se concentram na região Sul, milhares no Paraná), mas com o público em geral. A propósito, Paulo Thiago comenta: - A peripécia do caminhoneiro é um pouco a peripécia de todos nós. Viajar, conhecer, reconhecer, integrar-se desintegrando-se no universo tão aberto e acolhedor da estrada. A atividade do caminhoneiro se traduz sobretudo pela ação constante. Esse deslocamento permanente quando abordado num filme, se traduz na realização de uma obra de agilidade, movimento, emocionalidade - emotividade humana - acerscenta. O caminhoneiro é o tipo "popular charmorso", diz também Gláucia Camargo. - "Existe certa mística com relação a sua imagem, que se traduz na prática por um profundo fascínio pelo personagem. Suas longas viagens estão sempre perpassadas por encontros com os mais diversos tipos humanos, freqüentemente marcados por doses de humor, amor e ação". LEGENDA FOTO 1 - As filmagens foram feitas no interior de Minas Gerais, em estradas sem pavimentação - pelas quais trafegam veículos pesados cedidos pela Volvo. LEGENDA FOTO 2 - Paulo Thiago, dirigindo seqüências de "Jorge, Um Brasileiro". NOTA (1) - "Sagarana, o Duelo", foi adaptado de um dos contos de João Guimarães Rosa (Codisburgo, MG, 1908 - Rio de Janeiro, 1967), considerado um dos maiores escritores brasileiros. NOTA (2) - "A Bagaceira", romance de José Américo de Almeida (1887-1980) é considerado um clássico do chamado "ciclo do romance nordestino". Foi publicado em 1928. NOTA (3) - Oswaldo França Júnior, 52 anos, foi cassado como 2o tenente da Aeronáutica, em 1964, e antes de se tornar escritor profissional perambulou por várias profissões. Seu último livro é "No Fundo das Águas", lançado pela Nova Fronteira.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
12/02/1989

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