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Aramis

Uma viagem musical a era do jazz em "Cotton Club"

"Cotton Club" - finalmente em exibição na cidade (Astor, 4 sessões), é daqueles filmes cuja realização chega a ser tão fascinante quanto a própria história que se propôs a contar. Seis anos de produção, um orçamento fantástico que beirou os US$ 50 milhões, o produtor-executivo Robert Evans, enfartado, greves, problemas com elenco e até uma branca intervenção da Máfia para o filme poder ser concluído. Depois de tudo isto, não teve sequer a glória de um mísero Oscar e nos Estatos Unidos a renda foi fraca - sendo, assim, impossível recuperar o capital investido. Entretanto, "Cotton Club" tem muito para agradar. Ao redor do mais famoso clube noturno de Nova Iorque dos anos 20/30, em cujo palco passaram os maiores nomes do jazz - Billie Holiday, Duke Ellington, Count Bassie e tantos outros - uma história de amor, paixões e gangsters, com destaque ao lendário Dutch Schultz, nome dos mais famosos nos roaring twenties. O embalo, naturalmente, com a música das big-bands, recriadas conforme o estilo original de Duke Ellington, como mostra a esplêndida trilha sonora que a CBS já lançou no Brasil há dois meses. TUMULTUADA PRODUÇÃO - Quem primeiro adquiriu os direitos de filmagem de "The Cotton Club", romance de Jim Haskin, publicado em 1977, foi um diretor da Union Carbide, que dois anos depois o revenderia, por US$ 350 mil para o produtor Robert Evans, espécie de golden boy da Paramount ("Love Story", "Chinatown", "O Bebê de Rosemary", "O Poderoso Chefão") que, desta vez deu um salto imenso - tão arriscado quanto foram as aventuras que praticamente levaram a falência a Fox ("Cleópatra") e a United Artists ("O Portal do Paraíso"). Para reunir o capital necessário, Evans recorreu a um dos homens mais ricos do mundo - Adnar Khashoggi, antecipou as vendas para o Exterior (onde levantou mais US$ 8 milhões) e procurou sociedade com os irmãos Doumani, donos de hotéis e cassinos em Las Vegas. Para dirigir o mastodôntico projeto, o nome foi óbvio: Francis Ford Coppola, que desde "Appocalypse Now", há dez anos passados, vem alternando falências e recuperações da forma mais confusa que se possa imaginar através de sua mirabolante Zoetrope Productions. Coppola, como é de seu feitio, tumultuou a produção. Não aceitou o primeiro roteiro preparado por Mario Puzzo ("O Poderoso Chefão"), convocou o romancista William Kennedy (autor de "Vernônia", recém-lançado pela Francisco Alves, que Babenco vai filmar este ano) para ajudar a reescrever o script. Motivo: Kennedy havia escrito um romance sobre outro famoso gangster, Legs Diamond - e estava por dentro daquela época de lei seca, jazz e violência. Só que o roteiro acabou sofrendo dezenas de modificações, escrito e reescrito mais de 30 vezes. Tudo isto atrasou a produção, estourou o orçamento - e dos US$ 20 milhões previstos em 1980, chegou-se a delirante soma de US$ 50 milhões - ou seja, setecentos milhões de cruzados, com o que, no Brasil, se faria pelo menos 20 longas metragens dos mais sofisticados. O ELENCO - Para o papel principal - do pistonista branco, Dixie Dwyer, se pensou inicialmente em Al Pacino - que recusou por achar a história parecida com de "O Poderoso Chefão" (o que não é verdadeiro). Richard Gere topou mas exigiu mais de US$ 1 milhão - ao qual, depois, forçou, fazendo greves e ameaças, um aumento de mais um milhão e meio de dólares. Richard Pryor, contatado para o segundo papel do filme - o sapateador, Dalbert "Sandman", pediu uma soma astronômica: US$ 4 milhões. Foi recusado e, em seu lugar, optou-se por Gregory Hines, que vinha de um sucesso na Broadway ("Sophisticated Lady", baseado na vida de Duke Ellington) e, posteriormente, faria "O Sol da Meia Noite". No filme, entrou também seu irmão, Maurice Hines Jr., que curiosamente faz o papel de seu irmão. Além do irmão, no filme ainda estão seu pai e uma ex-mulher. Enquanto Delbert, namora uma mulata tão clara que parece branca (Lonette McKee, atriz da Broadway), o pistonista Dixie Dwyer é apaixonado por Vera Cicero (Diane Lane, atriz de duas outras fitas de Coppola: "Vidas sem Rumo" e o ainda inédito "Rumble & Fish"), amante do gangster Dutch Schultz, vivido por James Renar. Nicolas Cage (visto em "Asas da Liberdade") é Vicent Dwyer, irmão de Dixie e Owen Verdon (ex-mulher do coreógrafo e diretor Bob "Cabaré" Fosse) é a mãe dos dois. Todos vestidos por Milena Canonero, Oscar de figurinos por "Barry Lyndon" e "Carruagens de Fogo", e fotografados por Stephen Golddblatt, que entusiasmou Coppola por seu esplêndido trabalho em "Fome de Viver". Afinal, ele queria uma fotografia mais estilizada do que realista. O CLIMA - "Cotton Club" procura reconstituir o clima do famoso clube inaugurado há 63 anos em Nova Iorque, em forma de ferradura, dois andares, 700 lugares que em plena era da lei seca, servia champagne a 30 dólares e onde a dose de uísque custava 18. Ali, reuniram-se gangsters, empresários e belas mulheres, ao som de jazz, numa época fascinante apreciada a distância e que foi glorificada por muitos escritores, entre os quais F. Scott Fitzgerald. Só que para transpor todo o projeto a tela, Robert Evans sofreu três enfartos, faliu, vendeu sua participação a outros produtores e, no final, o filme acabou mesmo nas mãos de Francis Ford Coppola, que, mais de uma vez, prova que é cappo di tutti cappo - mas sempre capaz de realizar obras fascinantes em terras de entretenimento. Um filme fantástico, atraente e que, se espera, permaneça no mínimo três semanas em exibição. LEGENDA FOTO 1 - Richard Gere e Diane Lane em "Cotton Club", a melhor estréia.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Seção de Cinema
7
29/06/1986

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