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Aramis

Art, a suave arte do jazz na bateria

"A bateria é o pulso e tal como no corpo humano, o pulso é vital. A bateria deve ser tocada, não batida". (Art Blakey) Se fosse feita uma escolha naquela base de "qual o artista mais simpático para com a imprensa" entre os convidados das irmãs Monique e Sylvia Gardenberg para o Free Jazz Festival, possivelmente Art Blakey ficaria com esta medalha. Afinal, este americano de Pittsburgh, Pensilvania, 68 anos a serem completados no próximo dia 11 de outubro, não se incomodou em atender a imprensa em diferentes ocasiões. Com bom humor, sorriso franco, lembrou tanto no Rio como em São Paulo, detalhes de seu início de carreira - quando, aos 14 anos, trabalhava numa mina de carvão em Pittsburgh e tocava piano (mal) numa boate da cidade. Um dia, ali apareceu um jovem pianista, que logo seria contratado, e ao protestar pela substituição, foi ameaçado com um revólver pelo gerente da casa. A boate era da Máfia e o jovem pianista tinha talento. Chamava-se Errol Garner (15/06/1921-02/01/1977), que passaria a história do jazz ao menos por uma de sua músicas, "Misty" - até hoje um standard que Sarah Vaughan jamais deixa de cantar. Art Blakey fala mesmo, tranqüilo. Não admite fazer críticas a colegas e mesmo procurando fugir de perguntas relacionadas ao que pensa em termos dos roqueiros e da eletrificação instrumental, mostra sempre grande compreensão para com a evolução musical. Nem poderia ser diferente para quem sabe se manter jovem e que, há pelos menos três décadas, vem revelando os maiores talentos através de seus Jazz Messengers - uma natural escola e cuja relação de gente de talento que por ali passou não precisa nem ser repetida. Bem humorado ("tocar música é a melhor diversão para se fazer vestido"), Art repete sempre a santíssima trindade do jazz, que em sua opinião teve a maior importância: os já falecidos Charlie Parker (1920-1955) e Thelonious Monk (1920-1982), e Dizzy Gillespie, que às vésperas dos 70 anos (a serem completados no próximo dia 21 de outubro), como ele continua vigoroso e simbolizando uma geração de mestres que se reduz cada vez mais. Há alguns anos, quando veio ao Brasil para apresentações num roteiro empresariado por Gaby Leib, Art Blakey esteve em Curitiba. Chegou a tarde e, ao contrário de seus músicos, preferiu usar o tempo livre para conhecer a cidade. "Quero ver tudo do ponto mais alto", nos solicitou logo no aeroporto, quando ali, a pedido de nossa amiga Gaby, fomos buscá-lo. E assim levamos Art até o Alto das Mercês, aqui em "O Estado", para ter uma visão panorâmica de Curitiba. Repetia, simplesmente: - "Beautiful! - acrescentando: "dá uma sensação de cidade de paz". À noite, após um memorável concerto no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, ainda estava com energias para um jantar esticado até a madrugada. Uma vitalidade impressionante, que mantém até hoje - haja visto as canjas que deu em vários lugares, no Rio e São Paulo. Reencontramos Art em São Paulo. Sua entrevista coletiva foi uma aula de humildade e respeito musical. Falou bonito sobre sua música, respeitando as mudanças que entende ocorrer - mas as quais, naturalmente, ele prefere evitar - mantendo-se no estilo do jazz revolucionário a partir do Bebop, dos anos 40, movimento da qual foi o grande baterista. Na noite de sexta-feira, 11, ao lado de cinco jovens instrumentistas - mostrou porque é um gênio jazzístico: não só como compositor e baterista que eleva o toque do instrumento as mais altas categorias, como pelo olho clínico que tem, reunindo sempre talentos imensos. A imprensa destacou especialmente o excelente trompetista que o acompanhou no Rio e São Paulo - Terence Blanchard, mais os outros músicos também são notáveis: Benjamin Green ao piano, emocionante, Javon Jackson no sax, Peter Washington no baixo e Robon Eubanks no trombone. Quando esteve em Curitiba, Art nos dizia que não tinha a menor idéia de quantos elepês já tinha gravado. "Oficialmente são mais de 300, mas não esqueça que cada apresentação pode virar um disco pirata... e isto é impossível calcular". A propósito, a sua vinda ao Free Jazz estimulou a edição de mais três de seus álbuns, lançados pela Imagem, WEA e EMI/Odeon, de diferentes fases - mas todos identificados por aquela genialidade que o faz um mestre. LEGENDA FOTO - Art Blakey: a simplicidade de quem sabe das coisas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
19/09/1987

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