A Camerata Carioca une Vivaldi a Pixinguinha
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de junho de 1980
A estréia nacional de << Vivaldi & Pixinguinha >>, terça-feira, no Teatro Guaíra, mais do que apenas uma nova apresentação da Camerata carioca e o pianista-maestro-arranjador Radamés Gnatalli (que alí, a 11 de agosto do ano passado, fazia a também primeira audição de << Tributo a Jacob do Bandolim), representa uma válida tentativa de aproximação do erudito ao popular.
Aos 74 anos - completados dia 27 de janeiro último, Gnatalli, um doa maiores talentos da música brasileira, estava semi aposentado até o ano passado. Mas a idéia de Hermínio Bello de Carvalho de fazer uma transposição para um pequeno conjunto da suíte << Retratos >>, que há 16 anos dedicou a seu amigo Jacob do bandolim (gravado em histórico LP da CBS, há muito merecendo reedição), para um << Tributo >> àquele grande músico, falecido em 13 de agosto de 1969, o fez entusiasmar-se. E assim, após o recital ter sido levado a várias capitais, Radamés começou a trabalhar na transposição para cordas - violões, cavaquinho e bandolim - de peças de Antônio Vivaldi (1678-1741) e Bach (1685-1750), E a primeira mostra pública disto será a que se verá/ouvirá terça-feira, no Guaíra: o Concerto Opus 3, n.º 11, pertencente ao << L 'Estro Harmônico >>, editado em princípio do século XVIII, em Amsterdam (e que durante muito tempo teve sua autoria atribuída a Fiedman Bach) será ouvida nas cordas dos violonistas João Pedro Borges, Maurício Lana Carrilho, Luiz Otávio Braga, no cavaquinho de Henrique Leal e bandolim de Joel do Nascimento - e com o próprio Radamés nos teclados.
ABERTURA MUSICAL - Hermínio Bello de Carvalho, 45 anos, idealizador e diretor do espetáculo, lembra que existe quase um conceito tradicional junto à juventude, << de que ir a um concerto exige um traje e uma postura toda especiais >>. Isso, entretanto, não acontece nos recitais da Camerata Carioca.
- A explicação, diz Hermínio, está no próprio programa que ela apresenta: geralmente descontraído, com uma gama de músicos de diversos gêneros. O concerto que Curitiba assistirá em primeira audição mundial tem, obviamente, na obra de Vivaldi e Pixinguinha os seus << pontos de resistência >>, mas precedida de alguns expoentes que deram traços marcantes à nossa música popular - tais como Henrique Alves de Mesquita, Anacleto de Medeiros e Ernesto Nazareth.
Anacleto de Medeiro (1886-1907), foi o organizador e primeiro mestre da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, fundada em 15 de novembro de 1896. O dobrado << Jubileu >>, que consta do recital da Camerata de terça-feira, é uma obra-prima, explorada num arranjo maravilhoso por Radamés. O mínimo que se pode dizer de Anacleto é que foi um gênio e que Villa-Lobos o homenageou nas Bachinas n.º 10, onde faz uma citação de << Rasga Coração >>.
Já Henrique Alves de Mesquita (1830-1906) foi compositor, regente, organizador e trompetista e, segundo o pesquisador Ary Vasconcelos, << criador do tango brasileiro, gênero que Ernesto Nazareth levaria à culminância >>. Compôs praticamente tudo: modinhas, valsas, romances, músicas litúrgica, óperas e << mágicas >> (<< Ali Babá >>, << Loteria do Diabo >>). Estudou em Paris e em 1890 foi nomeado professor do Conservatório de Música do Rio de Janeiro. O << Batuque >> é, indiscutivelmente, sua obra mais conhecida.
Ernesto Nazareth (1863/1934) foi, segundo Mário de Andrade, o << fixador do Maxixe >> e, no dizer de Batista Siqueira o << sistematizador genial >> do chamado tango brasileiro. Radamés ouviu-o tocar pessoalmente, daí sua homenagem interpretando o << Fon-Fon >>.
Sobre São Pixinguinha, Alfredo da Rocha Vianna Jr. (1897-1973), basta repetir Sérgio Cabral, autor da premiada monografia sobre sua vida e obra: << é um dos pais da nossa nacionalidade, cuja obra não se esgota nela mesma >>. Compositor, instrumentista, maestro, orquestrado, << Pixinguinha - diz Hermínio - meu doce parceiro, percorreu generosamente todos os rios que compõem o grande mar da música, e em todos eles deixando imprensa a sua genialidade >>.
UMA CAMERATA POPULAR - João Pedro Borges, 33 anos, maranhense de São Luiz, professor de violão da Academia de Turíbio Santos - com quem já gravou 2 LPs (<< Choros do Brasil >>, Tapecar e << Valsas e Choros >>, produção independente), além de um LP individual com obras de Bach, é o diretor da Camerata Carioca. Da qual ele faz a conceituação:
- A Camerata Carioca é basicamente formada por pessoas cuja diferente experiência musical não deixa de conservar alguns traços comuns de vivência e formação. Cada um por caminhos próprios chegou à ansiedade de manifestar uma linguagem musical, que embora utilizando de uma forma mais ampla os recursos conquistados e desenvolvidos pela técnica evolução de seu instrumento, ainda se apóia no papel por ele tradicionalmente representando em formações do gênero. Assim é que desde a inquietação de Joel do Nascimento em motivar, há alguns anos atrás, o maestro Radamés a transcrever obras significativas para o assim chamado << conjunto regional >> até o momento atual em que desfilam no repertório desde os choros arranjados de Jacob do Bandolim ao << Concerto Seresteiro >>. Descortinou-se todo um vasto panorama de possibilidades que em muito ultrapassou as primeiras tentativas do grupo em traçar seus rumos dentro desse atraente caminho musical.
Joel Nascimento, 43 anos, considerado como o legítimo sucessor de Jacob do Bandolim, eleito pela revista << Playboy >> (1978/79) como o maior instrumentista de cordas do País, acha que o Brasil << é um dos poucos países que têm em sua música popular um gênero instrumental específico altamente elaborado, que é o choro, que fez escolas no violão, flauta, clarinete e bandolim >>. Choros de Jacob, como << Gostosinho >> , << Vibrações >> e << Vôo da Mosca >> - que também constam do programa de terça-feira - terão não bandolim de Joel um instrumento básico de solo. O instrumentista acha que o bandolim sofreu na sua estrutura anatômica modificações que contribuíram para uma melhoria sonora, sem transformações profundas no seu som original. << Da maneira de tocar de alguns virtuoses como Jacob do Bandolim e Luperce Miranda, de suas composições, das obras e transcrições de um gênio como Radamés, já se pode dizer que existe uma literatura brasileira para o bandolim >>.
Maurício Carrilho, 23 anos, violão, uma das maiores revelações instrumentais dos últimos 3 anos, explica o trabalho da Camerata:
- Na parte musical, embora os arranjos sejam feitos pelo Radamés e a direção seja do João Pedro, existe, nos ensaios, oportunidade para todos opinarem sobre o trabalho e seu encaminhamento. As decisões finais são sempre as da maioria, mesmo que em alguns casos elas sejam contrárias à opinião de João. Outro violonista, o paraense Luiz Otávio Braga, 27 anos, explica a importância do violão de 7 cordas na Camerata:
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