Por uma coincidência muito feliz aparecem simultaneamente os lps escritos de João Gilberto e de sua ex-esposa Miucha ( Maria Eloisa Duarte de Holanda). Há 2 semanas registramos os discos de Ana de Holanda ( Bandeirantes) e Cristina (RCA), duas outras irmãs de Chico. Miucha vinha fazendo até agora uma carreira amparada no prestigio de seu amigo Antônio Carlos Jobim , com quem dividiu 2 elepês, ou em participações especiais. Na Polygran fez um modesto compacto duplo que passou desapercebido. Agora, finalmente, aparece em um Lp de Simone ou Maria Bethania para merecer admiração. Como a mana Cristina, Miucha canta suave, baixinho, - mais com muito tempero e a exemplo da mana também sabe buscar um bom repertório "Cabritada Mal Sucedida" de Geraldo Pereira (1918-1955), um samba alegre e irreverente ao qual Miucha da um novo encanto. João Donato e Luís Cláudio Ramos dividiram os arranjos de 11 faixas, já que João Gilberto não só toca violão em "All Of Me" ( Seymour Simons/Gerald Marks), na versão de Haroldo Barbosa, como ainda fez o arranjo. "Joujoux et Balangandans" (Lamartine Babo), que João cantou no seu "Especial" da Rede Globo, junto a Rita Lee, aqui é interpretado por Miucha e Bebel - filha dela e João Gilberto. De Chico Buarque, duas composições criticas e atuais - linha de "Montagem" ( parceria com Novelli e "Milagre Brasileiro"; de João Donato/Cacaso a "Canção "do Desamor Demais") e Nelson Angelo/Fernando Brant "A Paixão é Sempre Passageira" canções românticas que se ajustam no estilo de Miucha, compositora de duas faixas: ''Segura a Coisa'' e ''Todo Amor''. Um excelente chorinho de Luís Cláudio Ramos/Franklin da Flauta/Aldir Blanc , "Santo Amaro" lançado há 2 anos pelo Quarteto em Cy , é regravado com muito ritmo e outros mestres além de Geraldo Pereira, foram homenageados: Nelson Cavaquinho/Guilherme de Brito com '' Sinal de Paz'' e o grande Bororó com '' Que é , Que é", parceria Evágrio Lopes, onde no violão temos novamente João Gilberto. Com João Gilberto (Prado Pereira de Oliveira, Juazeiro, Bahia 10/06/1931) a questão é simples : se ama ou se detesta. Ficamos ha 22 anos na categoria dos que o amam. E junto conosco esta uma respeitável legião de brasileiros que o admiram provam e reconhecem a sua presença como a de maior vigor dentro da MPB - nestas ultimas duas décadas . Não importa o longo exílio voluntário nos EUA , o comportamento neurótico, o medo do público, as gravações escassas... João Gilberto é um gênio em termos instrumentais /vocais e provou isto no especial que fez para a Globo, há alguns meses e apresentado há 3 semanas. Um momento mágico da MPB /TV e que justifica a existência de videocassete doméstico para se guardar as imagens de um João quarentão, calvo de paletó e gravata, mas cantando como nunca - com suave ternura. Como o videocassete doméstico ainda é um privilégio de poucos , a Warner edita o Lp documentando os melhores momentos do programa. Uma gravação perfeita de um espetáculo perfeito: João com o violão e voz, uma orquestra ajustada, sob a regência do paranaense Alceo Bocchino e duas participações especiais: a filha Bebel em "Chega de Saudade" e Rita Lee em "Joujoux Balangandãs". No mais João sozinho, cantando "Menino do Rio" (Caetano Veloso). "Curare" (Bororó). "Retrato em Branco e Preto" (Tom/Chico). "Desafinado" (Tom/Newton Mendonça). "O Pato" (Neuza Teixeira/Jayme Silva). "Eu e a Brisa" ( Johnny Alf) e, no encerramento, "Canta Brasil" (Alcyr Pires Vermelho/David Nasser). João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, 39 anos, mais de 25 na MPB, um mito. E um gênio. Ame-o ou deixe-o . Quem tiver sensibilidade bastante só pode amá-lo. O que faz deste um disco-documento indispensável. Um documento provando que, como um bom vinho, João só melhor com o tempo. O problema é a sua demora em dividir com quem o admira, um pouco de sua arte. Mas quando acontece, é um evento único. Grato, baiano!.

Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:

Veiculo: Estado do Paraná

Caderno ou Suplemento: Nenhum

Coluna ou Seção: Jornal da Música

Página: 30

Data: 05/10/1980

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