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Aramis

Hitch, o homem que sabia do suspense

O sucesso que o relançamento dos filmes de Alfred Hitchcock (1899-1980) vem alcançando em todas as capitais onde já chegaram e o fato de que há poucas cópias desses cinco momentos mais significativos da carreira do mestre do Suspense - e que há mais de 20 anos não eram reprisados - impede que aconteçam em Curitiba as estréias simultâneas nas três salas de Cinema Internacional Corporation (Lido I/Lido II/Condor). "O Homem Que Sabia Demais" foi o primeiro a chegar - e ganhou uma segunda semana de exibição, apesar da renda considerada fraca. "O Terceiro Tiro" (The Trouble With Harry, 56) e "Festim Diabólico" (Rope, 1948) serão os próximos lançamentos. Depois, virão "A Janela Indiscreta" (Rear Window, 1954) e "Um Corpo Que Cai" (Vertigo, 1957). Entretanto, a ordem pode ser alterada. "The Man Who Knew Too Much" - hoje ainda em exibição no Condor, em 4 sessões (amanhã deve ser substituido por "Ruas de Fogo" de Walter Hill) - é a oportunidade que os mais velhos têm de matar a saudade de um filme que, em 1957, ao chegar no Brasil, entusiasmou o público. Em Curitiba, permaneceu várias semanas no antigo Cine Palácio, sala que na época lançava as produções da Paramount. Aos que ainda não o viram, a oportunidade de conhecer um excelente exercício de suspense, no qual Alfred Hitchcock refilmou a mesma estória de Charles Bennett e David Dyndham Lewis que havia levado às telas quando ainda trabalhava na Inglaterra, há 50 anos passados. Na entrevista coletiva com jornalistas brasileiros, reunidos no Rio de Janeiro, há três semans, James Stewart falou, detalhadamente, da versatilidade com que Hitch realizava seus filmes, buscando nunca se repetir, mesmo trabalhando sobre uma temática comum. "O Homem Que Sabia Demais" tem todos os ingredientes de um filme de suspense, conduzido com extrema competência, do início ao final, não faltando as pitadas do humor anglo-americano. No longo depoimento que deu ao seu maior admirador, o recém-falecido cineasta François Truffaut, Hitch justificou a refilmagem de "O Homem Que Sabia Demais", dizendo: - "Consideremos que a primeira versão era o trabalho de um amador talentoso e que esta é a de um profissional". Conta um de seus biógrafos, Donald Spoto ("The Dark Side Of Genius", livro que deveria ser traduzido e lançado no Brasil), que os direitos sobre a história original foram recomprados por Hitchcock do produtor David Selznick. E Selznick tinha planejado uma refilmagem em 1941, mas que foi adiada. Nesse projeto inicial, o Brasil não seria apenas uma referência nos diálogos, mas o cenário exótico da trama: o presidente brasileiro seria o político assassinado, o carnaval serviria com back ground e o climax aconteceria no Metropolitan Ópera, em Nova Iorque, com a ação iniciando-se nos Estados Unidos. Como lembrou Edmar Pereira ("Jornal da Tarde", 6/10/84), no original tudo começava na Suiça e a criança sequestrada era uma menina. Na refilmagem de 1956, Hitch e seu roteirista John Michael Hayes transferiram o início da história para Marrocos. Onde, aliás, ele faz sua habital aparição, na cena da praça, observando, quase de costas, a exibição dos acrobatas - mas tão rapidamente que é difícil identificá-lo. Se James Stewart, com quem já havia trabalhado em "Festim Diabólico" e "Janela Indiscreta", era uma escolha natural, a surpresa foi Doris Day, até então apenas uma cantora razoável e a "eterna virgem" das comediotas americanas. Bascando-se em sua biografia, na tradução jornalista de Pereira: Hitch se apresentou a ele algum tempo antes, numa festa em Hollywood e garantiu que um dia fariam um filme juntos. Nomes foram mudados assim como a maioria das situações e conflitos, com os personagens mais bem-estruturados psicologicamente. No elenco, as duas figuras mais interessantes eram coadjuvantes: Peter Lorre (substituído pelo expressivo Bernard Miles) e Pierre Fresnay, substituído por outro francês - Daniel Gelin. Durante as filmagens, Doris Day (que está ótima) sofreu uma crise de insegurança que quase a levou a abandonar o filme, pois Hitch não dizia uma palavra sobre seu trabalho. Ela procurou o diretor, queixou-se e ouviu uma resposta lacônica: "Eu não lhe digo nada é porque você está perfeita". Hitch sempre foi frio com os atores - a quem dizia eram como gado. Aliás, esta afirmativa foi motivo para uma longa explicação de James Stewart, durante sua entrevista coletiva. "O Homem Que Sabia Demais" tem uma característica que sempre identificou a obra de Hitch: o envolvimento de pessoas comuns em acontecimentos surpreendentes. O médico Bem Mackenna, em férias no Marrocos, com a esposa Jo e o filho Hank - de volta de uma viagem a Europa, não tem nada que o faça se envolver numa intriga internacional. Entretanto, de um simples relacionamento com um misterioso francês, Louis Bernard (Gelin) no ônibus em que viajam entre Casablanca e Marrakesh, os liga a uma seqüência de fatos inesperados, que nas mãos seguras e experientes de Hitch resultam num filme que, revisto 28 anos depois de sua realização, conserva impacto e suspense. A fotografia de Robert Burks, no processo tech-nicolor, sofreu a ação do tempo (que vem destruindo as imagens doa mais bem conservados negativos, conforme alertou há 4 anos o cineasta Martin Scorcese), mas assim mesmo mostra toda a inteligência com que Hitch concebia os planos. A trilha sonora de Bernard Hermann, compositor favorito de Hitch, é extraordinária, aproveitando ao máximo a "Stormn Cloud Cantata" de Arthur Benjamin e D.B. Wind ah - no momento chave-do-suspense. Ao final, outra música - esta a suave canção "Que Será Será" (Levingston/Evans) interpretada por Doris Day, também tem um efeito dramático. "Whaterer Will Be, Will Be" foi o grande hit há 28 anos passados: ganhou o Oscar de melhor canção (num páreo em que derrou "The Love" de Cole Porter; "Written On The Wind", de Victor Yung/-Sammy Cahn; "Julio", do Leith Steves / Tom Adair e "Firnedly Persuasion" de Tiomkin/Wesbter) e por anos permaneceu nas paradas de sucesso. "O Homem Que Sabia Demais" não é o melhor filme de Hitchcock - mas está entre os mais populares e bem sucedidos de seus trabalhos. Um filme que se revê hoje, com prezer, e que prova de que apesar de todas as imitações - de Brian De Palma ao pornopaulista Jean Garret - a sua arte de contar estórias do velho inglês er era única. Que venham, logo, seus outros filmes. LEGENDA FOTO - "O Homem Que Sabia Demais", ou de como uma tranqüila família americana se envolve numa intriga internacional.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
14/11/1984

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