Login do usuário

Aramis

Martins, o editor dos bons gaúchos

Um dos mais admiráveis jornalistas e intelectuais gaúchos, o grande amigo Jayme Culpstein, que viveu o "Correio do Povo", até o seu último dia e ali editou um dos mais sérios suplementos literários do País ("Letras & Artes", nas edições de sábado) nos contava, há algum tempo, a interessante vocação editorial de Martins Livreiro dono inicialmente de um dos maiores sebos do Rio Grande do Sul - talvez do Brasil - e hoje também de uma casa publicadora que, voltada basicamente à literatura gauchesca, dispõe de imenso catálogo. Da compra de um primeiro acervo de livros, Martins fez o seu sebo crescer e hoje não há quem não o procure em busca de preciosidades literárias. Gaúcho preocupado com a preservação da literatura, histórica, ensaios, etc., de seu Estado tem publicado centenas de títulos, encontrando uma grande acolhida. Seus livros - embora originalmente restritos ao Rio Grande do Sul - estão subindo aos outros Estados, atingindo a todos que se interessam pela cultura deste Estado. Ainda agora, Martins Livreiro lança quatro novos interessantes títulos. O primeiro é "Getúlio Vargas - Continuador de uma idéia/Vitima da Espoliação", de Anselmo F. Amaral, na coleção Trafugueiro. Não se trata apenas de mais uma biografia do ex-presidente Getúlio Vargas mas, sim, de um estudo sobre o pensamento do grande estadista, pondo em relevo a coerência que sempre observou como no filosófico e, poder-se-ia dizer, no jurídico também. Anselmo Amaral coloca em evidência a luta de Vargas contra a mentalidade conservadora e rotineira que sempre prevaleceu no Brasil, desde o Império, que nunca se livrou do estigma das monarquias absolutas. E mostra, assim, a firmeza de Vargas, conseguindo enfrentar e conter a penetração das idéias alienígenas propagadas na época (nazi-fascismo), as oligarquias rurais (remanescentes da Revolução de 30) e o liberalismo consentido, forçando as fronteiras do país para deixá-las livres à penetração do capitalismo estrangeiro colonialista, canalizado pelas multinacionais em nosso dias. Autor já de "Sepé Tiaraju" (teatro), "Os Campos Neutrais", "A Grande Espoliação" e "Garibaldi, Guerreiro da Unidade", Anselmo Amaral enriquece a bibliografia sobre Getúlio Vargas - que morto há 31 anos, ainda é um estadista merecedor de ensaios e interpretações. CAUSOS GAÚCHOS Gaúcho adora contar causos. Há até um festival anual que reúne os mais famosos contadores de causos, evento a parte dentro dos inúmeros festivais nativistas que povoam o calendário cultural do Rio Grande do Sul. Com "O Analista de Bagé", Luís Fernando Veríssimo mostrou a força do humor gaúcho, se tornou o segundo autor mais vendido no Brasil e, com esta obra, fez com que uma editora de Porto Alegre, a L&PM, saísse do vermelho e se firmasse com uma grande casa publicadora. Mas não é só Veríssimo que é bom de causos. Ao contrário, há outros excelentes contadores de estórias que retratam o humor, o folclore, a valentia, o romantismo dos centauros dos pampas. Por exemplo, Aparício Silva Rillo, técnico em contabilidade em Bagé hoje já pode viver de seus direitos autorais: "Raspa de Tacho", antologia de estórias divertidíssimas, já no 3º volume, fez com que outra editora de Porto Alegre, a Tchê, de Ayrton Ortiz (agora tendo seus títulos distribuídos no Paraná graças a Criar Edições) também se tornasse uma sólida casa publicadora. Fundador dos anhangueras, grupo musical que marcou época, letrista de muitas músicas vencedoras de festivais nativistas - especialmente a Califórnia da Canção - Aparício é um bom poeta regionalista, que entremeia sua lírica com a faceta bem humorada de contador de causos. E enquanto seus "Raspo de Tacho" saem pela Tchê - a Editora de Bombacha, Martins Livreiro faz a 4ª edição de "Cantigas do Tempo Velho", excelente amostragem de poesia crioula, que como diz o editor, "denotam um zelo refletido de Silva Rillo na arte pessoal, pelo esmero do estilo e requintada sobriedade". "Cantigas do Tempo Velho" é obra de 1958, quando saiu a primeira edição pela Globo. E sua reedição há muito vinha sendo exigida pelos leitores, pois são poemas que caíram no chamado gosto popular. Como admite Silva Rillo, "foram sendo apreendidos por uns e outros, declamados em tertúlias de salão, em rodadas de confraternização literária, em auditório de rádio e programas de cunho nativista, em concursos de poesia por este Rio Grande afora". Assim, sua poesia se espalhou e não poderia deixar de reaparecer num bem cuidado volume. E se Silva Rillo vem de poesia crioula, um outro autor vem com causos deliciosos: Luiz Odilon Rodrigues. Ao mesmo tempo que Martins Livreiro reedita "Entrevero de Causos", lança a primeira edição de "Tchê, nem te conto...". Como Silva Rillo, Luiz Odilon escreve de maneira simples mas atraindo o leitor a um colóquio agradável. Bem diz Martins Livreiro: - "Suas estórias muitas vezes deixam transparecer o desejo íntimo de registrar lembranças de pessoas, fatos, lugares e circunstâncias que lhe ficaram assinaladas na memória, com muita afeição e simpatia. Neste sentido poder-se-ia mesmo afirmar que se trata de uma obra de reminiscência, em que evoca e narra situações vivenciadas com profunda emoção e sensibilidade". Curiosamente, embora circunscreva a ação dos relatos, em sua quase totalidade, ao âmbito, urbano e rural, do distante município de Alegrete, quase na divisa com a Argentina, Odilon Rodrigues consegue oferecer ótimos momentos de humor. Silva Rillo e Odilon Rodrigues fazem no Rio Grande do Sul aquilo que o jornalista Nireu Teixeira vem fazendo em sua coluna "Espeto Corrido", no "Correio de Notícias" - reunindo estórias leves e bem humoradas desta nossa cidade. E que mereciam serem editadas em livro. Se houvesse editor para tanto nesta nossa Capital.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Leitura
24/03/1985

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br