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Aramis

A missa que Airto fez para a Alemanha

Dona Zelinda Moreira, 72 anos, curtiu uma grande emoção, a semana passada: na pequena tela de um televisor Orion, conectado a um vídeo-tape alemão, pôde assistir às imagens da emocionante "Missa Espiritual" que seu filho, Airto Guimorvan Moreira, apresentou na Catedral de San Martin, em Colonia, nas noites de 10 e 12 de dezembro de 1983. Ao lado da filha, Odene, do genro, Arlindo Godoy, e dos netos Emerson e Jefferson, dona Zelinda quase chegou às lágrimas, ao ver a belíssima produção financiada pela WDR, rede de televisão da República Federal da Alemanha, que bancou essa original missa musical. Conforme aqui noticiamos, como sempre em primeira mão e poucos dias após a "Missa Espiritual" ter sido apresentada na Alemanha, Airto trabalhou muitos anos nessa grande composição. Mesclando elementos litúrgicos à sua formação brasileira, realizou uma missa na qual, embora a percussão seja o grande destaque, incluiu uma orquestra de 40 instrumentistas sob regência do pianista Marcus Silva, arranjos de um dos mais notáveis nomes da música americana - Gil Evans (73 anos, responsável pelo clássico lp "Sketches of Spain", com Miles Davis), e teve ainda solos do internacional guitarrista Philipe Catherina e participação de mais dois percussionistas - Trilok Gurtu e Fredy Santiago. Gravada pela WDR, num programa ultrabem produzido, com direção de José Montes Baques, a "Missa Espiritual" foi apresentada em toda a Alemanha Ocidental e também exibida por um canal educativo nos Estados Unidos. O tape deveria inclusive ter sido negociado para uma exibição no Brasil, possivelmente na Semana Santa, mas, infelizmente, até agora não foi possível. Assim como o disco com a íntegra da missa, editado na República Federal da Alemanha pela Harmoni Mundi, etiqueta que tem representação no Brasil com a Copacabana. Só que essa fábrica de discos, saindo agora de uma concordata, há mais de 6 anos não edita nada que não seja bregue e música rural. Por isso, dificilmente a "Missa Espiritual", ao menos em disco, chegará ao Brasil. xxx Catarinense de Itaiópolis, 43 anos, completados a 5 de agosto, Airto passou a infância em Ponta Grossa (onde, aos 11 anos, já era baterista de um conjunto local) e, adolescente, cantava nos programas de auditório da Rádio Clube Paranaense, no qual sua irmã, Odene, também se destacava, com sua bonita voz. Antes mesmo de completar 18 anos, já era profissional na noite. Com 17 anos, foi para São Paulo, ali integrando dois conjuntos que marcaram os anos 60 - Sambalanço Trio (com César Camargo Mariano e Cleber) e o renovador Quarteto Novo (ao lado de Hermeto Pachoal, Theo de Barros e Heraldo do Monte). Em 1967, um mês após sua esposa, a cantora Flora Purim, ter embarcado para os Estados Unidos, Airto também foi. Com US$ 100 emprestados pelo amigo Chico Buarque e a passagem financiada pelo bailarino Lennie Dale, com quem havia trabalhado algum tempo antes. Fazer a América não foi fácil. Anos de luta para encontrar espaço, o green card e até se transformar no percussionista de maior conceito - ao ponto de durante nove anos consecutivos encabeçar a lista do jazz poll da revista "Down Beat" - no qual Flora Purim, por 3 anos, também foi a melhor cantora - desbancando monstros sagrados como Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. Não nos cansamos de destacar, em nossos espaços, a iluminada trajetória de Airto, excelente caráter, bom filho, que sempre que pode vem rever a família (dentro de 2 meses, possivelmente, aqui estará novamente). Há duas semanas, Airto voltou de nova excursão à Escandinávia e, agora, com novo disco em produção, faz nova excursão pelos Estados Unidos. xxx Uma ótima notícia que trouxe a edição de dezembro da "Down Beat". Nana Vasconcelos, reeleito o melhor percussionista, e Airto Moreira, segundo colocado e vencedor nessa categoria desde sua criação há cerca de dez anos, foram os únicos brasileiros que se destacaram na 49ª votação anual de leitores da revista "Down Beat", correspondente ao ano de 1984 e que exprime o índice de popularidade do jazz e alguns itens da música pop. Os principais destaques dessa tradicional votação (que completará cinquentenário em 1985) foram o pianista canadense Oscar Peterson, que virá novamente ao Brasil este ano (mas, como sempre, por falta de iniciativa dos dirigentes da Fundação Teatro Guaíra, Curitiba estará fora do roteiro), eleito para o Hall da Fama e que venceu na categoria piano acústico pelo quarto ano consecutivo (20 vezes, desde 1949) e o jovem Wynton Marsalis, 23 anos, que conseguiu nova vitória tripla, sendo eleito Músico de Jazz do Ano e Melhor Pistão e conjunto de jazz acústico. Outros destaques desse Jazz Poll foram a tripla vitória do conjunto Weather Reporter e seus dois fundadores - melhor conjunto de jazz elétrico, sintetizador (Joe Zawinuk, pelo nono ano consecutivo) e sax soprano (Wayne Shorter, pelo 15º ano consecutivo); o controvertido pistonista Miles Davis, com o disco de jazz do ano ("Decoy", CBS), pelo terceiro ano consecutivo e sexto desde 1967; e o grande e saudoso Count Basie, cuja orquestra obteve a 13ª vitória não consecutiva (apesar da morte de Basie, em abril de 1984). Apenas em duas categorias, houve vencedores pela primeira vez: Charlie Haden teve também seu maravilhoso disco "Ballad of the Fallen" (editado no Brasil há 4 meses, pela Barclay) colocado em segundo lugar. Bobby McFerrin é um extraordinário cantor - na linha de Al Jarreau - e que só agora começa a ser falado no Brasil (aqui não saiu nenhum de seus discos). Gil Evans (arranjador), James Newton (Flauta), Naná Vasconcelos e Carmen Bley (compositora) bisaram o êxito dos anos anteriores. Buddy De Franco, em clarineta, e Joe Pass, em guitarra, voltaram a vencer nessas categorias, da mesma forma que Gerry Mulligan em sax barítono (31 vitórias não consecutivas). Como curiosidade, eis os que mais venceram, consecutivamente, nesses últimos 21 anos em que a "Down Beat" promove o jazz poll com os leitores: Jimmy Smith, órgão (em todos); Gary Burton (vibrafone, 17); Phil Woods (sax alto) e Chick Corea (piano elétrico), ambos em dez; Toots Thielemans (gaita), em "Instrumentos Diversos" e Jaco Patorius, baixo elétrico em sete; Sarah Vaughan, cantora, em seis; Jack Dejohnette, bateria; Stephanie Grapelli, violino e Manhattan Tranfer, conjunto vocal em cinco; Jimmy Knepper, trombone em quatro e Sonny Rollins, sax tenor, nos últimos três anos. xxx Na área pop, "Born in the USA", com Bruce Springsteen, já editado no Brasil, foi incluído como o melhor disco do ano, seguido de "Purple Rain", a trilha sonora do filme estrelado por Prince, em exibição no Cine Astor (o disco foi lançado pela WEA). "Purple", com o mesmo Prince, venceu, também, na categoria de disco Soul/Rhythm, enquanto "Can't Slow Dow" de Lionel Ritchie (que a RCA lançou no Brasil em 1984), juntamente com "Future Schock", com Herbie Hancock, aparecem na categoria de discos de Blues (sic). Uma curiosidade: "Modern Times", como grupo Steps Ahead, foi considerado o terceiro disco de jazz do ano. E, desse grupo, a pianista era a paulista Eliana Elias, que em 1981, integrava o conjunto formado por Heitor Velente para acompanhar as diversas eliminatórias da promoção "Paraná de todos os cantos", realizada em várias cidades do Estado. Eliana foi para Paris, de lá viajou para os EUA e se transformou numa superstar do jazz. Como se vê, os brasileiros de talento acabam se impondo mundialmente.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
02/03/1985

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