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Aramis

O sexagenário Palácio vai mudar. Mas só de endereço!

A pauta será irresistível: depois de 61 anos na Rua Barão do Rio Branco, o mais tradicional restaurante de Curitiba - o Palácio - se muda para sua definitiva sede própria. Apenas alguns metros adiante do imóvel que ocupa desde o início dos anos 60 - e para o qual, por sua vez, transferiu-se quando o endereço original - um casarão que existia na mesma quadra, onde foi construído o cine Vitória (hoje Centro de Convenções) levou a sua demolição. A inauguração será dupla: no dia 4 de setembro, para "os amigos da imprensa" - como diz Jorge Bernardo, 53 anos a serem completados no dia 26 de setembro, desde 1953 em Curitiba e que, há 19 anos, gerencia a casa. No dia seguinte, a festa será para os clientes tradicionais - o que significa centenas de curitibanos que, ao longo de décadas acostumaram-se a freqüentar um estabelecimento que, sem qualquer sofisticação, vem mantendo, praticamente, a mesma estrutura com que começou a funcionar em 1930, tem, entretanto, um charme que o diferencia no panorama gastronômico da cidade. Opções de pauta para justificar que o Palácio ganhe espaço amplo nos veículos - inclusive nacionais - com esta mudança ("Reforma não, apesar das instalações novas" esclarece Bernardo) não faltam. Afinal em seis décadas acumularam-se histórias & estórias capazes de justificar até uma dissertação de mestrado sobre o comportamento do curitibano que o freqüenta - aprofundando assim o pioneiro livro que o pesquisador Valério Hoerner Júnior, 48 anos, lhe dedicou em 1984: "O Folclórico Palácio - uma tradição de Curitiba" (volume 204 da coleção Academia Paranaense de Letras, editora O Formigueiro, 92 páginas, a venda por Cr$ 500,00 exclusivamente no restaurante, em benefício da Associação João Paulo I, mantenedora da Escola Especial Dra. Zélia Brandão). xxx Inaugurado em 1930 - até hoje, apesar de suas pesquisas, Hoerner Jr., não conseguiu localizar a data e o mês - o estabelecimento nasceu com o nome de "Ao Churrasco Palácio", tendo num artístico cartaz o seu slogan - peça esta mantida cuidadosamente e instalada em espaço de destaque agora na nova sede - Rua André de Barros, 500: - "Só aqui é que se saboreia o verdadeiro churrasco na grelha e o frango, cabrito e leitão assado no especto giratório. Aceitam-se encomendas". O cabrito e o leitão há muito desapareceram do cardápio, assim como as especialidades espanholas que o fundador, Adolfo Bianchi (1880-1947), um italiano de nascença e argentino de vivência - introduziu na época - como os Criadillas (testículos de boi na grelha) e chinchilin (tripa grossa de boi, fartamente recheada). Em compensação o churrasco, o filé grisé e, especialmente a única sobremesa que a casa oferece - o mineiro de botas - continuam a ser as maiores atrações do cardápio - que evoluiu também para algumas massas e caldos - estes os pratos mais acessíveis, já que a inflação também atingiu o velho restaurante, cujos preços acompanharam os tempos bicudos que embora não tivessem esvaziado sua clientela, contibuiu para que ao menos muitos reduzissem a freqüência - antigamente, noturnamente, fiel. Quando o velho Adolfo Bianchi, decidiu viajar para a Argentina, a negócios, fez sociedade com um espanhol da Galícia, Antônio Humia Durán (1890-1963) que, como funcionário da São Paulo Rail Wais havia vindo para Curitiba em licença e aqui ficou. Bianchi não voltaria a Curitiba: morreu em Porto Alegre e sua viúva vendeu a sua parte a Humia Durán, que conduziu o negócio sem qualquer mudança. A única foi quando o antigo sobrado em que estava instalado, ao lado do Hotel Johnscher, foi demolido para dar lugar ao cine Vitória (*), o que levou a transferir-se para alguns metros adiante, num prédio modesto, que pertence ao professor José Bigarella (*). O genro de Durán, o também espanhol, José Fragua Lopez - o Pepe, 67 anos, manteve a tradição - inclusive a mais polêmica delas e que lhe custou alguns aborrecimentos judiciais: o fato do restaurante não atender mulheres desacompanhadas. Historicamente justificado (sic) pelo fato de que nos anos 40/50 a trepidante vida noturna da cidade levava os boêmios a procurarem o Palácio com a opção de fim de noite - e que a presença de mulheres, desacompanhadas provocaria confusões (aliás, algumas brigas acontecidas no restaurante ficaram famosas), tanto o velho Humia Durán como o seu genro, Fragua Lopez foram sempre machistas assumidos: mulher sozinha não é servida no Palácio. Nos últimos anos, é bem verdade, a regra já não é tão rígida, pois feministas organizadas formalizaram processos e a discriminação ganhou repercussão. Hoje, o gerente Bernardo e os garçons da casa - especialmente o experiente Adriano, já tem um certo jogo de cintura para contornar a situação quando o dito belo sexo, desacompanhado, decide entrar no Palácio pela noite adentro. Notas (*) Construído pela Orcopa, associado a família Johnascher, o cine-teatro Vitória - o maior e mais luxuoso cinema de Curitiba - foi inaugurado em 14 de janeiro de 1963, com "Taras Bulba" e fechou na noite de 28 de janeiro de 1987, com a reprise de "Gandhi". (*) Astutamente, Fragua Lopez manterá o prédio do professor Bigarella alugado por mais dois anos, pois teme que se o entregar ali venha a se instalar um concorrente que capitalize a fama de sua casa. Aliás, todas as tentativas de restaurantes noturnos se fixarem nas proximidades do "Palácio" ocorridas nos últimos anos fracassaram. Mesmo com suas regras inflexíveis - e um banheiro medieval (que é quase impossível de ser utilizado), poucas opções de bebida, o restaurante sexagenário tem uma freguesia fidelíssima - e atrai turistas. LEGENDA FOTO 1 - Depois de 30 anos no número 438 da Rua Barão do Rio Branco - e aos 61 de idade - ganhará afinal uma sede própria, há poucos passos - na Rua André de Barros, 500. LEGENDA FOTO 2 - Antônio Humia Durán, o segundo proprietário do "Palácio", hoje pertencente ao seu genro Pepe (Fragua Lopez).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
25/08/1991

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