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Paulinho da Viola, a resistência da MPB

Há quatro anos que Paulinho da Viola não lança disco novo. E há quase dois que não vem à Curitiba. Sua última apresentação foi no SESC da Esquina, modestamente, quase desapercebido. Portanto, sua única apresentação, hoje à noite (21 horas, auditório Bento Munhoz da Rocha Neto) tem uma especial significação: nos traz, a (rara, portanto) chance de aplaudir um dos mais importantes nomes da MPB. Qual é o melhor Paulinho? O compositor? O instrumentista? - além do violão, também o cavaquinho e mesmo o bandolim? Ou o cantor, voz afinadíssima, suave, redonda, como poucos? Que Paulinho da Viola é o legítimo herdeiro de Cartola é dizer pouco. Afinal, mesmo com toda linhagem ilustre do autor de "As Rosas não Falam", Paulo César Baptista de Faria, carioca, 45 anos, é um exemplo do artista que soube amalgar a melhor tradição do samba com uma formação instrumental que sempre teve em sua casa, pois afinal, ele é filho de César Faria, violinista que integra até hoje o "Época de Ouro", lendário grupo instrumental criado pelo grande Jacob do Bandolim ainda nos anos 40. Portanto, a formação de Paulinho não é apenas a de sambista - como muitos podem pensar a primeira vista. Ele é um legítimo filho do choro - e deve-se ao espetáculo "Sarau", que tinha a participação como apresentador do jornalista (e hoje Secretário de Esportes do Rio de Janeiro) Sérgio Cabral, o grande momento do boom do choro, há exatamente dez anos passados. Foi Paulinho, mais Cabral e o "Época de Ouro" que, nos palcos, revitalizou o choro, provocando o surgimento de outros grupos - inclusive alguns de músicos jovens (Os Carioquinhas, Éramos Felizes), as duas edições do Festival Nacional do Choro, promovidas pelo animador Marcos Pereira (1930-1980) e, especialmente, a edição de mais de 100 discos de choro entre 1977/82. Como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento e, especialmente, Chico Buarque de Holanda - todos admiradores musicais da maior voltagem, hoje na faixa entre 40/50 anos - Paulinho da Viola tem uma obra que comporta análises profundas. Excelente letrista, embora eventualmente tenha inspiradas parcerias, é dono de uma obra pessoal. Suas interpretações são de rara felicidade. Embora tenha material para preencher discos e discos, ele sempre buscou gravar obras de outros autores, especialmente daqueles compositores que, vivendo, anonimamente, nos subúrbios do Rio de Janeiro, jamais teriam maiores chances de chegar aos veículos de comunicação se não fosse uma vitalidade de um bom padrinho. Instrumentistas como o grande Canhoto da Paraíba, para muitos um dos maiores violonistas do Brasil, também só chegaram a esquemas nacionais graças a sensibilidade de Paulinho. Segunda-feira, a tarde, na informal e poética palestra que fez no auditório Paul Garfunkel, no projeto "Um Escritor na Biblioteca", Hermínio Bello de Carvalho falou carinhosamente de Paulinho. Hermínio, 52 anos, este incrível e maravilhoso animador cultural, a quem a MPB tanto deve, foi um dos primeiros a acreditar nas potencialidades do Paulinho, quando ele, adolescente, fazia suas primeiras músicas - e ganhava a vida como funcionário de uma agência do Banco Nacional do Rio de Janeiro. "Rosa de Ouro", o espetáculo que Hermínio idealizou, produziu e dirigiu, lançando a maravilhosa Clementina de Jesus e trazendo novamente aos palcos a figura de Aracy Cortes - ambas já falecidas - tinha também um grupo de instrumentistas e cantores chamados "Os 7 Criolos", entre os quais Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Nelson Sargento. Era a época da "Estudantina", de Mestre Cartola, de dona Zica - os anos 60, com a redescoberta de valores da MPB, deslanchada quando Narinha Leão, a Musa da Bossa Nova, em seu primeiro elepê (Elenco, 1964), soube buscar compositores como Zé Ketti, João do Vale (com quem havia feito "Opinião", o primeiro espetáculo de protesto após o golpe de 1º de Abril), Elton Medeiros e Cartola, para o seu primeiro elepê. Paulinho da Viola é uma unanimidade nacional. Há duas semanas estava em Fortaleza, fazendo um show na boite Hippopotamus. No ano passado, viajou à Europa - por duas vezes foi a um festival de música popular na Sicília - e há muito que já vem incluindo regulares shows em teatros de Paris e Roma. Sem fazer concessões, brasileiríssimo, com a poesia verde-amarela - quase sempre trabalhando com um mesmo grupo instrumental - o pai, César, no violão; Dininho (baixo elétrico); Jorginho (ritmo); Hércules (bateria), entre outros - Paulinho leva seus sambas, o choro dos grandes mestres (além de suas próprias composições) a este mundo tão carente de musicalidade. Sua produção - espalhada em mais de uma dezena de elepês - reflete o que de melhor existe na música brasileira nestes últimos anos. Simples - com a humildades característica dos grandes e reais talentos, tão habilidoso na execução de um solo, como é o artesão que, em sua marcenaria, constrói o próprio instrumento. O grande Paulinho, de imagens belíssimas, dos "Meus 20 Anos", do "Foi um Rio que Passou na Minha Vida", do "Sinal Fechado", é este brasileiro de corpo & alma, sensibilidade maior - que sintetiza em suas músicas, um pouco deste Brasil tão rico musicalmente, mas tão dilacerado nas FMs da vida, com o lixo supérfluo imposto pelas multinacionais do som. Resiste Paulinho. Você é o símbolo do canto brasileiro. LEGENDA FOTO - Paulinho da Viola apresenta-se hoje, 21 horas, no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, do Teatro Guaíra, acompanhado por César Faria, Celsinho, Cabelinho, Jorginho, Hércules e Dininho. Produção de Mozart Primo. Ingressos a Cz$ 250,00 (platéia e 1º balcão) e Cz$ 150,00 (2º balcão).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
12/08/1987

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