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Radamés Gnatalli, um músico completo

Na próxima segunda-feira, o Brasil lembra o aniversário de nascimento do compositor Radamés Gnatalli, falecido aos 82 anos, em 3 de fevereiro de 1988. Somando-se às homenagens, publicamos aqui um resumo biográfico sobre o compositor, assinado por Valdinha Barbosa, da Associação Radamés Gnatalli. Gaúcho de Porto Alegre, onde nasceu a 27 de janeiro de 1906, Radamés Gnatalli é personalidade das mais importantes da nossa música. Falecido em 3 de fevereiro de 1988, a cada dia que passa, esse compositor brasileiro vem sendo reconhecido como músico dos mais completos de nossa história, pela sua inigualável experiência nos dois veios em que a Música Brasileira se divide: o popular e o erudito. Medalha de Ouro no curso de piano do Conservatório Brasileiro de Música de Porto Alegre, Radamés Gnatalli, aos 18 anos já era considerado, pela crítica carioca, um virtuose do piano, em seu primeiro recital no Rio de Janeiro. Frustrado em sua vocação de concertista, por problemas financeiros, Radamés foi procurar refúgio para a própria sobrevivência e de sua família, no mercado da música, onde fez de tudo: foi músico de orquestra, tocando piano ou violino em concertos, companhias de óperas e operetas, em bailes, cassinos e nas rádios - que se iniciavam no Rio de Janeiro. A bagagem musical que trazia de sua formação em Porto Alegre, e a disposição para o trabalho, abriam-lhe as portas. O mercado lhe era farto, embora as remunerações fossem mínimas. Espírito inquieto e apaixonado, soube aproveitar todas as oportunidades que lhe eram oferecidas, aproveitando, sempre, para aprimorar-se em seu ofício. O trabalho na área popular, no entanto, não o desvencilhava da idéia de trabalhar sobre um tipo de música mais elaborada - a música erudita -, que, se por um lado, não lhe garantia a sobrevivência econômica, por outro, o gratificava enquanto artista. Impossibilitado de seguir a sua vocação de concertista, Radamés passa a explorar o seu talento de compositor e não tarda a ser reconhecido como um grande talento. Em Porto Alegre, em 1930, faz a sua estréia, com duas peças para piano solo e, já em 1939, uma de suas obras era escolhida para representar o Brasil na Feira Mundial de Nova York, ao lado de Carlos Gomes, Alberto Nepomuceno, Alexandre Levy, Henrique Oswaldo, Francisco Mignone, Lorenzo Fernandes, Villa-Lobos e Camargo Giarnieri. Era o reconhecimento do seu talento, que mereceu de Mário de Andrade, a seguinte referência: "Há que se falar de um compositor novo, mal conhecido dos paulistas, Radamés Gnatalli. Tem uma habilidade extraordinária para manejar o conjunto orquestral, que fez soar com riqueza e estranho brilho. Apesar de sua mocidade, já domina a orquestra como raros entre nós. É a nossa maior promessa do momento". Com a inauguração da Rádio Nacional, em 1936, Radamés ganha grande impulso como compositor. Sem preconceitos, continua o seu trabalho de atuação nas duas áreas da música, servindo-se de uma, para enriquecer a outra e vice-versa. Um dos primeiros contratados para a orquestra da PRE-8, Radamés passa a figurar entre os mais importantes maestros daquela emissora. As experimentações que vinha introduzindo na forma de orquestrar a música popular brasileira, que se acumulavam desde o início de sua atividade como arranjador na Gravadora Victor, faziam crescer o seu prestígio. "As idéias sempre revolucionárias de Radamés Gnatalli, a sua preocupação constante com a cultura brasileira, reforçadas pela visão do músico instrumentista, consistiam em dar à Música Popular do Brasil, um caráter nacionalista, na época só encontrados nos conjuntos típicos, sem nenhuma preocupação cultural. Tudo o mais era a música americana, que satisfazia plenamente todos os bons músicos que desejavam mostrar as suas virtuosidades como instrumentista. Radamés o que fez? Canalizou a performance do instrumentista brasileiro para a execução da música brasileira. Mas não foi bem entendido por muita gente e a classificação de "jazzista" que recebeu desde os seus primeiros trabalhos permaneceu indiscriminadamente para aqueles que realmente não entendiam de música", relembrou em vida, o seu amigo e companheiro na Rádio Nacional, Paulo Tapajós. Caminhando em seu ofício, sem maiores pretensões, apenas manejando como raros, o seu talento, Radamés continua a promover a orquestração brasileira a estágios cada vez mais avançados. Em 1939 provoca grande impacto com o famoso arranjo da música "Aquarela do Brasil": desta vez, as palhetas e os metais ganham uma nova função na orquestração do samba, e a música brasileira, um novo tratamento orquestral. Durante quase trinta anos de trabalho contínuo na Rádio Nacional, Radamés Gnatalli, através dessa emissora, líder de audiência nos anos 50, conseguiu levar, em 1ª audição, várias de suas obras, muitas das quais, tendo ele próprio, como solista, ao piano. Para os intérpretes contratados da "casa" - a fina flor dos instrumentistas brasileiros - Jacó do Bandolim, Arnaldo Estrela. Iberê Gomes Grosso, Garoto, Chiquinho do Acordeon, Luciano Perrone, Edu da Gaita, entre outros, todos seus amigos pessoais - escreveu especialmente grande parte de seus concertos. De cada um desses executantes captou a forma pessoal de interpretação, finalizando por montar um catálogo de obras onde a influência de nossas raízes culturais é a essência. O trabalho diário na Rádio Nacional e nas gravadoras, revertiam para o maestro, como fonte de inspiração e de sobrevivência; mas era na criação de suas composições eruditas, que encontrava a plenitude de sua realização como artista: "Amo a música popular mas, se pudesse, trabalhava exclusivamente sobre a música erudita". O ano de 1964 é marcado pelo retorno de Radamés Gnatalli à sua atividade de recitalista. Faz Duo com o violoncelista Iberê Gomes Grosso, com quem excursiona pelo Brasil e pelo exterior. Para a sua vocação de músico erudito, praticar a música de câmara, representava um alimento. Neste mesmo ano, 1964, Radamés compõe a "Suite Retratos" peça em quatro movimentos para Bandolim e Orquestra de cordas, escrita especialmente para Jacó do Bandolim, onde homenageia, em cada movimento, quatro grandes representantes da cultura brasileira: Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga. Na década de 70, acatando sugestão de Jacó do Bandolim, novamente a música popular brasileira se surpreende com mais uma inovação, quando Radamés transcreve para conjunto de choro, a "Suíte Retratos", nascendo assim, um novo estilo e uma nova forma de execução para o choro. Agregando-se em algumas capitais do País. O Brasil reinicia o seu processo de redemocratização. Radamés revitaliza-se e passa a exercer uma profunda influência junto à nova geração de músicos que se forma. Havendo-se desligado da Rádio Nacional desde a década de 60, Radamés Gnatalli; depois de ter trabalhado na TV Excelsior, foi contratado pela TV Globo como maestro-arranjador, função que exerceu até a sua morte. Em 1983, como reconhecimento à sua contribuição à criação musical brasileira, foi designado por um júri de especialistas, para receber o Prêmio Shell para a Música Brasileira", na categoria de música erudita. Em 1984, através do Projeto Lúcio Rangel de monografias, a Funarte lançou o seu nome como um dos temas de seu concurso anual, editando em livro, a obra premiada: "Radamés Gnatalli, um eterno experimentador". A sua natural preocupação em atrair para as salas de concertos intérpretes considerados populares, como Garoto, Edu da Gaita, Chiquinho do Acordeon, Jacó do Bandolim, Joel Nascimento, Rafael Rabelo, Camerata Carioca, etc., ampliou o universo instrumental da composição brasileira, com obras para instrumentos pouco convencionais em salas de concerto, como Harmônica de Boca e Acordeon. Cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Música, Radamés Gnatalli, ao falecer no Rio de Janeiro aos 82 anos de idade - e ainda exercendo em plenitude, até pouco tempo antes de sua doença, as suas rotineiras atividades profissionais e criativas - deixou um catálogo de obras que inclui cerca de 500 composições entre sinfonias, concertos, cantatas, música de câmara e para instrumentos solistas. Sem jamais ter-se deixado impressionar pelo modismos, toda essa valorosa produção musical, que o faz destacar-se entre os grandes compositores da História da Música em nosso País, foi escrita nos poucos, mas compulsivamente bem aproveitados, momentos de folga de sua atribulada vida de músico profissional. Não era sem razão que costumava repetir, com a sua habitual humildade: "A inspiração, estou convencido, vem do trabalho". LEGENDA FOTO - O compositor no vídeo-homenagem "Nosso amigo Radamés Gnatalli".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
17
21/01/1992

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