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Cinema em crise nos debates de Brasília

Brasília Na segunda-feira, representantes de diferentes categorias ligadas a indústria cinematográfica que aqui se encontraram até hoje (quando, desde a manhã, estão retornando as suas cidades) mobilizaram-se em reuniões para discutir problemas práticos em relação a crise do cinema brasileiro, paralisação da industria, falta de perspectivas, desatenção do governo - desde a liquidação da Embrafilme (junto com tantas outras instituições culturais) em 16 de março último. Levantando pontos, fazendo críticas mas também buscando soluções, os realizadores de filmes em 16mm, que face ao alto custo do filme em 35mm, acreditam numa revalorização desta bitola (no que a própria Kodak estaria interessada, tanto é que patrocinou os prêmios da mostra competitiva e trouxe projetos que possibilitarão exibições perfeitas na Sala Alberto Nepomuceno). A atriz e produtora executiva Malu de Moraes, esposa do cineasta Geraldo de Moraes - presente em papéis de destaque de três ou seis longas que competiram ("Césio 137", "Mais que a Terra" e "O Círculo de Fogo") na segunda-feira procurava arregimentar atores e atrizes, "para extrair um documento". Outro grupo de cineastas reuniu-se para uma audiência com Ipojuca Pontes, que apesar de cineasta ("Canudos", "A Volta do Filho Pródigo", "Pedro Mico"), estrategicamente viajou na última quinta-feira, só retornando dia 15 a Brasília. Ipojuca é o todo poderoso (e odiado) secretário de Cultura de Collor. O presidente-liquidante da Embrafilme, também cineasta, Adnor Pitanga (que, em 1972, realizou um documentário sobre Curitiba, abordando a primeira administração Jaime Lerner) a partir de sábado passou a circular pelos salões do Kubitschek Plaza. Ressabiado, sem atrair muitas rodas para conversas, Pitanga, alagoano de nascimento e que como dirigente do Sindicato da Indústria do Cinema Nacional há anos sonha na implantação de um pólo cinematográfico em Jacarepaguá, ao comparecer ao último Festival de Gramado, em julho, foi xingado violentamente cada vez que tentava justificar as medidas do governo Collor de Mello na área do cinema. No domingo à tarde, na mesa redonda sobre Cinema e Estado, a reação dos participantes foi mais civilizada: embora recebido com frieza, Pitanga pôde ao menos expor as promessas de uma possível retomada do adicional de estímulo a bilheteria - que significa uma injeção de recursos para os realizadores - e promessas de empréstimos "com juros compatíveis no mercado" para financiar novas produções e tirar o cinema brasileiro da inércia em que se encontra há mais de dois anos. O produtor Luís Carlos Barreto, na mesa de debates, falou longamente sobre a necessidade do governo atuar na área do cinema, trazendo muitos subsídios. Duas jovens pesquisadoras da Fundação João Pinheiro - Elisabeth Neves e Marta Oliveira - também trouxeram dados sobre o mercado cinematográfico, num maçudo relatório ao qual, até ontem, os jornalistas não tiveram acesso. Na mesa estava também Marco Cotrin, secretário de Cultura e Esporte do Distrito Federal e Carlos Augusto Kalil, diretor da Cinemateca Brasileira (São Paulo) e que realizou uma das melhores administrações da Embrafilme. Respeitado intelectualmente e como administrador, Kalil é uma presença que valoriza os encontros dos quais participa, pois, justamente quando deixou a Embrafilme, substituído por um indivíduo totalmente estranho à classe, sentiu-se o valor de sua administração. Em suas 23 edições (seriam 26, se, por três anos, durante a época mais dura da ditadura militar, o evento não tivesse sido cancelado) o Festival de Brasília sempre se caracterizou como o grande fórum para debates em torno da realidade cinematográfica. Aqui nasceram documentos fundamentais, idéias para objetos ampliados com sucesso e, sobretudo uma marca de vigor. Neste ano, em que os raros longas concluídos, levados a Gramado, Natal e, agora, Brasília, são rastolhos da produção anterior a 1989 - e sem perspectivas maiores e imediatas de reaquecer a produção (que já foi de 120 longas por ano, hoje inferior a 5 filmes que estão sendo rodados ou finalizados, com mais de meia dúzia de obras a espera de recursos para conclusão) mais do que nunca o FestBrasília teve um significado especial. Maria Luiza Dornas, diretora da ação cultural da Fundação Cultural do Distrito Federal, na qual está ligada há mais de dez anos (já participou de oito festivais), bem relacionada, intelectual e profissionalmente respeitada (como é bonito ver mulheres realmente preparadas sabendo dignificar os cargos que ocupam), conseguiu realizar um festival enxuto, sem desperdício dos recursos e voltado ao nosso cinema brasileiro - hoje mais do que nunca merecedor de toda atenção. Que contradição ao se comparar a quem defende a canalização de milhares de dólares para subsidiar uma mostra de filmes estrangeiros, gastando dinheiro dos contribuintes - como está para acontecer em Curitiba.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
17/10/1990

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