Dois livros para que se conheça melhor o samba
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de janeiro de 1982
Quem diria que as escolas de samba, durante tantos anos[,] vistas, [preconceituosamente], como,
redutos de marginais, malandros e preguiçosos, se transformariam em tema para teses,
pesquisas, dissertações de mestrados ou estudos reunidos em livros?
Afinal, os scholars entenderam a necessidade de se voltar a pesquisa de temas brasileiros,
ligados à cultura popular, e por isto o fenômeno de audiência que um paranaense, Adelsom
Alvez, conseguiu há mais de uma década na Rádio Globo, o fez figurar como tema-central de
uma tese universitária lançada há três anos, enquanto a Escola de Samba Estação Primeira da
Mangueira mereceu de uma professora carioca uma tese fascinante: “O Palácio do Samba”,
lançado pela Zahar. Agora, um casal de professores e escritores, Rachel e Suetônio Valença,
voltou-se a outra Escola de Samba – o Império Serrano (“Serra, Serrinha, Serrano: o império
do samba”, Livraria José Olympio Editora, 129 páginas), uma obra não só quem se interessa
pelo Carnaval e sua cultura – mas também pela música popular brasileira, já que se trata de
um abrangente estudo, onde Rachel e Suetônio contam tudo sobre uma das mais importantes
escolas de samba do Rio de Janeiro, das origens aos dias de hoje: as causas de seu
nascimento, as inovações que trouxe para o desfile, os acontecimentos marcantes, os sambas
mais bonitos, as dificuldades e as vitórias. Como acentua Thereza Aragão no prefácio é um
trabalho minucioso e completo, fruto de pesquisa árdua e cuidadosa em livros, jornais e
revistas, de elementos extraídos da própria memória e de pelo menos uma centena de horas de
entrevistas com componentes históricos do Império, confundindo dados e informações,
procurando autorias de sambas antigos, tantas vezes nebulosas, esmiuçando fatos, traçando
pequenas biografias de personalidades de maior importância para a cultura popular
brasileira, até então conhecidas apenas no restrito ambiente onde vivem e atuam. Se Mano
Décio da Viola, Silas de Oliveira, Roberto Ribeiro e Dona Ivone Lara, por exemplo, são
conhecidos, a grande, a absoluta maioria das pessoas citadas em “Serra, Serrinha, Serrano: o
Império do Samba”, viveu e vive anonimamente, praticando e conservando manifestações
culturais que vão do jongo ao samba, lutando bravamente para pôr o Carnaval na rua, sem
concessões ou modismos, nestes tempos tão confusos e controvertidos do samba carioca.
Suetônio Soares Valença, 38 anos, carioca da Vila Izabel, formado em Letras Clássicas pela
Universidade de Brasília – onde foi professor até 1969, redator da Enciclopédia Britânica,
há seis anos dedica-se- junto com a esposa, Rachel, ao estudo da música popular brasileira e
como resultado, já publicou “Viola de Lereno” (Editora Civilização Brasileira, 1980),
coleção de modinhas e lundus do mulato carioca Domingos Caldas Barbosa e, no ano passado,
pela Funarte, publicou “Trá-lá-lá”, definitiva biografia de Lamartine Babo (1904-1963).
Minucioso e profundo, os estudos de Suetônio – com ajuda de sua esposa Rachel, demonstram
que uma simples escola de samba pode justificar um estudo profundo, capaz de fazer a muitos
entenderem melhor o Carnaval e sua cultura.
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Outro professor universitário, José Maria de Souza Dantas, 45 anos, doutor em letras pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, diretor da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e
Artes da Sociedade Unificada de Ensino [] Superior Augusto Mota, entre muitos outros
títulos, é outro scholar que se volta ao estudo de nossa música. No caso, da análise de um
dos mais talentosos autores surgidos nos últimos anos – em “Paulo César Pinheiro, O Poeta da
Esperança” (Livraria José Olympio Editora, 83 páginas).
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É importante que a obra dos letristas seja analisada por especialistas em literatura –
demonstrando assim o alto nível que nossos poetas populares alcançaram. Se nos Estados
Unidos e Europa é comum encontrar dezenas de livros esmiuçando as obras dos mais diferentes
autores, no Brasil, nem um poeta da dimensão de Vinícius de Moraes teve, até hoje, análise
de sua criação literária na área da música popular. Chico Buarque já mereceu algumas
tentativas, mas todas tímidas – nenhuma tendo uma projeção maior, uma, mas multiplicidade de
interpretações/dissertações. Paulo César Pinheiro, 33 anos, uma (“Canto Brasileiro” e
“Cordas de prata”), tem nível de Baden Powell, Tom Jobim, César Costa Filho, Maurício
Tapajós, João de Aquino (com quem fez “Viagem”, praticamente sua primeira letra), Edu Lobo,
João Nogueira, Mauro Duarte – apenas para citar alguns, que procuraram acompanhar a música de
seus versos, organizando sempre uma melodia que forme um verdadeiro casamento, em que letra
e música digam de seus ideais de liberdade, fraternidade e amor.
Por meio desses, caminhos, o poeta constrói pela esperança, um mundo de idealismo, em que
estão ausentes o desamor, a desagregação e ódio. É o caso de “Hino”, “Mordaça”,
“Cordilheira”, “Irerê”, entre tantos outros poemas. Pelo contrário, em seus poemas, Paulo
César Pinheiro nos fala de um universo de paz e de união, tendo na esperança uma constante,
para que o seu mundo poético seja concretizado.
por isso mesmo, este pequeno (grande) livro, "Paulo César Pinheiro, poeta da esperança"
propõe esperança de liberdade, de entendimento, de canto, de poesia. O canto do poeta é um
canto d esperança, na medida em que permite, através dele, a existência de um mundo melhor e
um conseqüente desempenho do homem no terreno do congraçamento e do constante
reconhecimento.
José Maria de Souza Dantas estuda o tema central da poesia de Paulo
César Pinheiro, a Esperança, anotando os seus subtemas, todos eles originários da consciência poética e social do poeta, vinculados à esperança. Procurando divulgar a poesia de Paulo
César Pinheiro, a linguagem deste livro é simples, natural e despojada de teorias excêntricas e de terminologia sofisticada, estando, portanto, dentro do espírito do próprio poeta, no afã de possibilitar a todos sua leitura. Cada um dos belos versos de Paulinho Pinheiro é demoradamente analisado, de uma forma objetiva e comunicativa. Por exemplo, em relação a "Pesadelo" (parceria com Maurício Tapajós) e que surgindo na época mais dura da repressão/censura era ligada ao nome de Chico Buarque, José Maria Dantas acentua: "Paulinho crê, mesmo[] havendo obstáculo, separação, na presença da união "Quando um muro separa[,] uma ponte une" da mesma forma que sabe livrar-se de qualquer tipo de opressão. Acima de tudo, é o poeta, certo de seu destino, de sua missão de criar, de espalhar toda uma mensagem humana e solidária ("Você corta um verso [,] eu escrevo outro/ Você me prende[,] eu escapo morto"). O poeta tem certeza da liberdade, de um amanhã mais livre, mais fraterno:
"O muro caiu, olha a ponte
Da liberdade guardiã.
O braço de Cristo horizonte
Abraça o dia de amanhã"
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Realmente feliz do País que tem poetas como Paulo Pinheiro, que fala da Esperança e entendendo o amor como união, como presença, apresentando o reencontro ("Tomara que inda te encontre um dia"), a ausência da solidão ("Com isso a solidão se acabe", motivo que provoca a alegria ("Com que essa minha dor se vá"). Para o poeta, amor é alegria ("Eu mato essa melancólica") e ele é todo de esperança ("Se eu me poupasse de esperar").
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